O aumento da taxa básica de juros da economia, a chamada Selic, não pesa apenas no bolso das famílias. Significa mais gastos também para o governo federal – uma despesa bilionária, que deve atingir um patamar recorde neste ano.

Projeções realizadas pela gestora de investimentos Armor Capital apontam que o custo da dívida pública deve atingir R$ 760 bilhões em 2022, uma alta de 70% na comparação com 2021, quando o gasto somou R$ 448,4 bilhões.

O cenário considera uma Selic de 12,25% ao final do ano, como prevê o boletim Focus, que reúne as projeções do mercado financeiro.

Nos últimos meses, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central já realizou oito altas consecutivas dos juros, numa tentativa de recolocar a inflação dentro da meta perseguida pelo governo. Como resultado, a taxa saltou de 2% ao ano, no início de 2021, para 10,75% atualmente.

Mais um novo aumento deve ser anunciado na semana que vem, quando o Copom volta a se reunir. Analistas consultados pelo boletim Focus projetam uma alta de 1 ponto percentual.

“O aumento de apenas um ponto na Selic implica numa alta do custo da dívida pública de quase R$ 34 bilhões”, explica Andrea Damico, economista-chefe da Armor Capital.

Impactos da guerra

E essa despesa bilionária pode ficar ainda maior ao longo de 2022 devido aos desdobramentos da guerra entre Rússia e Ucrânia.

Isso porque os sinais de que a inflação vem se mostrando mais resistente do que o esperado, combinados com a disparada do preço do petróleo e de outras commodities no mercado internacional, têm levado parte dos bancos e das consultorias a revisar para cima as projeções para a Selic.

A Armor, por exemplo, já prevê os juros em 12,75% no fim deste ano. Nesse patamar, o custo da dívida chegaria a R$ 771 bilhões.

Esse mesmo movimento, de uma taxa de juros mais alta, foi reforçado nesta semana pela consultoria Tendências e pelo banco Credit Suisse. A Tendências também passou a prever um juro de 12,75%, e o Credit Suisse elevou a sua projeção para 13,25%.

“É significativo o risco de contágio das recentes pressões nos preços globais de commodities e matérias-primas, movimentos que foram drasticamente intensificados nos últimos dias com a escalada do conflito no Leste Europeu”, disse a Tendências em nota enviada para clientes.

Governo tem dívida de R$ 7 trilhões

Em janeiro, a dívida bruta do governo federal somava quase R$ 7 trilhões. A dívida pública é a emitida pelo Tesouro Nacional para financiar o déficit orçamentário da União. Ou seja, para pagar despesas que ficam acima da arrecadação com impostos e tributos. É o juro desse financiamento que custa mais para o governo a cada alta da Selic.

Remédio amargo, mas necessário

Para se ter uma ideia do impacto da alta da Selic nas contas públicas, os R$ 760 bilhões que devem ser pagos em juros neste ano vão equivaler a quase o total gasto pelo país com benefícios da Previdência (R$ 777,7 bilhões).

Embora piore o custo da dívida brasileira, a alta dos juros é a principal arma do Banco Central para conseguir controlar a inflação. No acumulado de 12 meses até janeiro, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) está em 10,38%.

Para o fim de 2022, a previsão para a inflação feita pelos analistas consultados pelo relatório Focus é de 5,65% – o que vai marcar um novo estouro do teto da meta do governo, que neste ano é de 5%. E o cenário das últimas semanas já levam algumas casas a projetar um cenário ainda pior, com o IPCA próximo de 6%.

No combate à inflação, a alta dos juros tira o ímpeto de consumo das famílias e encarece o custo de investimento para as empresas. A combinação desses fatores esfria a economia e, consequentemente, leva a uma redução no ritmo de alta dos preços.

O que explica a inflação em alta

O Brasil sofre com uma combinação perversa que tem levado ao aumento acelerado da inflação.

Depois de superada a fase mais intensa da pandemia, a retomada das economias provocou uma alta do preço das commodities, que se somou ao desarranjo nas cadeias de produção. Essa interrupção provocou uma escassez de produtos, pressionando os custos em todo o mundo e fazendo a inflação se tornar um problema global.

A economia brasileira ainda teve de lidar com um patamar desvalorizado do câmbio diante das incertezas políticas e fiscais.

No caso dos combustíveis, por exemplo, um dos vilões da inflação no ano passado, o preço foi influenciado pela alta do barril do petróleo no mercado internacional e pelo real desvalorizado.

Em 2022, a preocupação com a inflação subiu de patamar com a invasão da Ucrânia pela Rússia. Como resposta ao movimento russo, as principais economias impuseram restrições ao país liderado por Vladimir Putin.

Por ora, o principal resultado econômico da guerra tem sido o aumento do preço das commodities, como é o caso da cotação do barril do petróleo e do trigo.
“As sanções têm um impacto direto sobre todas as commodities, não só sobre o petróleo”, afirma Andrea. “As agrícolas são diretamente as mais afetadas, assim como alguns metais. Isso tem implicação para a nossa inflação.”