O Congresso Nacional demonstra resistência em endurecer o pacote de medidas de ajuste fiscal proposto pelo governo federal. Inicialmente, o mercado financeiro esperava que os parlamentares introduzissem alterações mais rígidas, mas as negociações no Legislativo apontam para uma suavização do impacto fiscal da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) apresentada pela gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
O relator da PEC, deputado Moses Rodrigues (União Brasil-CE), afirmou que buscará um texto de consenso, sem radicalizar as propostas. “Estamos ouvindo e discutindo com parlamentares, sociedade civil organizada e membros de todas as carreiras incluídas na PEC. Vamos construir com diálogo e não temos intenção de endurecer, de maneira alguma, a proposta original”, declarou.
Apesar do discurso conciliador, há uma ala minoritária no Congresso que defende medidas mais austeras, incluindo uma PEC alternativa proposta por consultores legislativos e apoiada pela Frente Parlamentar do Empreendedorismo. Essa proposta sugere reformas em gastos obrigatórios, mas enfrenta resistência entre deputados, preocupados com o impacto negativo que tais medidas poderiam ter em suas bases eleitorais.
O tempo é outro fator que dificulta a aprovação das propostas. Com o encerramento das atividades legislativas programado para o dia 22 de dezembro, o governo corre contra o relógio para aprovar o pacote fiscal antes do recesso. Entre os pontos mais polêmicos estão a destinação de verbas do Fundeb, mudanças nas regras do Benefício de Prestação Continuada (BPC) e o corte de supersalários no Judiciário.
Enquanto o governo tenta proteger o impacto fiscal das mudanças, algumas flexibilizações são vistas como inevitáveis. A equipe econômica já admite ajustes nas regras de acesso ao BPC e no abono salarial. Além disso, o corte nos supersalários do Judiciário enfrenta forte lobby de magistrados, o que pode resultar em alterações menos severas nessa frente.
Em resposta às críticas de que as medidas seriam tímidas, um assessor de Lula ressaltou que o pacote foi desenhado para gerar impacto fiscal significativo e rebateu as expectativas de que o Congresso fosse endurecer as propostas. “A narrativa de que as medidas não teriam impacto é equivocada. Estamos mostrando que o pacote tem consistência”, afirmou.
Até o momento, apenas o projeto de lei e o projeto de lei complementar, que tratam de mudanças no salário mínimo e no pente-fino do BPC, tiveram a urgência aprovada e estão prontos para votação no plenário da Câmara. A PEC, por sua vez, ainda não avançou. A expectativa é que sua tramitação comece na próxima semana, mas há dúvidas entre os deputados sobre o tempo hábil para votar todos os textos até o recesso.
O deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), signatário da PEC alternativa, chegou a ser cotado para relatar o pacote, mas sua possível rigidez gerou preocupações. Lideranças partidárias optaram por Moses Rodrigues para o posto, buscando evitar atrasos ou endurecimentos adicionais.
As negociações em torno do pacote fiscal também refletem disputas políticas internas no Congresso. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), busca consolidar seu legado antes de deixar o cargo no próximo ano. Já Hugo Motta (Republicanos-PB), provável sucessor de Lira, ainda não se posicionou publicamente sobre o tema.
Alguns parlamentares acreditam que o fim da presidência de Lira pode abrir caminho para discussões mais aprofundadas sobre ajustes fiscais em 2024. “O objetivo do Parlamento é melhorar o ajuste fiscal. Com uma nova arrumação de forças na Câmara, acredito que teremos mais espaço para reposicionar o papel do Legislativo na formulação de projetos estruturais para o Brasil”, disse Pedro Paulo.
O deputado Danilo Forte (União Brasil-CE) criticou a forma como o governo elaborou o pacote fiscal, apontando a falta de diálogo com o Legislativo e setores da sociedade. “Na hora que o Executivo chamar o Legislativo para essa construção, o Parlamento vai participar. Mas engolir, a toque de caixa, um pacote pronto, às vésperas do recesso, é complicado”, afirmou.
Embora o governo busque aprovar o pacote antes do recesso, a resistência do Congresso em adotar medidas mais rígidas sinaliza que o texto final deve ser mais brando. A articulação entre Executivo e Legislativo será fundamental para evitar que o ajuste fiscal se desidrate, comprometendo os objetivos traçados pela equipe econômica de Fernando Haddad.
Enquanto isso, a pressão de agentes do mercado financeiro por um pacote mais robusto deve continuar reforçando o debate sobre o equilíbrio entre austeridade fiscal e prioridades políticas no Congresso Nacional.
Foto: Bruno Spada /Câmara dos Deputados