O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino votou nesta sexta-feira (2/8) para negar o pedido da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que é amicus curiae no caso, para anular o voto da ministra aposentada Rosa Weber a favor da descriminalização do aborto até 12 semanas de gestação, no âmbito da APDF 442.
Para o ministro Flávio Dino, há uma questão processual intransponível que impede a análise do mérito dos pedidos da CNBB. Isto porque a jurisprudência do STF prevê que o amicus curiae não detém legitimidade recursal para opor embargos de declaração em processo objetivo de controle de constitucionalidade.
O mérito desta ação começou a ser julgada em plenário virtual em 22 de setembro no ano passado. Após o voto solitário de Weber, o ministro Luís Roberto Barroso pediu destaque, para que o julgamento fosse interrompido e levado a plenário físico.
O julgamento dos embargos de declaração da CNBB transcorre na sessão do plenário virtual da Corte que vai até a sexta-feira da próxima semana (9/8).
Os argumentos da CNBB para requerer a anulação do voto de Rosa Weber
Em embargos de declaração, os bispos afirmaram que houve vício de contradição, já que o voto de Weber teria sido lançado no sistema horas depois do pedido de destaque de Barroso – ou seja, quando nenhum ministro mais poderia mais votar em ambiente virtual.
Além disso, argumentam que há indicação, no documento disponibilizado pela ex-ministra, de que o voto estaria inacabado, visto que continha uma marca d’água com os dizeres “em elaboração”.
“É certo, portanto, que o voto foi lançado horas após o Destaque, de modo que a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) deve agora ser encaminhado ao Plenário para julgamento pelo colegiado, devendo ser desconsiderado o voto lançado posteriormente em Plenário Virtual, eis que nulo e inapto à expressão de efeitos”, manifestaram-se os bispos.
A entidade católica também solicitou a anulação do julgamento virtual porque diz que não teve tempo suficiente para apresentar sustentação oral.
O que diz o voto de Rosa Weber sobre o aborto
A então ministra Rosa Weber apresentou um voto de 103 páginas em que fundamenta que o aborto deve deixar de ser crime no país se provocado até a 12ª semana de gestação.
“No marco igualitário do constitucionalismo, a liberdade constitucional de escolha corresponde à igual dignidade que é atribuída a cada um. A mulher que decide pela interrupção da gestação nas doze primeiras semanas de gestação tem direito ao mesmo respeito e consideração, na arena social e jurídica, que a mulher que escolhe pela maternidade”, avalia Rosa Weber.
Para Weber, a “tutela da vida humana intrauterina é construída, do ponto de vista normativo, com a participação da mulher e não sem ela, tampouco contra sua autonomia no processo reprodutivo e de planejamento familiar. Se é assim, a intervenção estatal sancionatória, radicada na punição criminal da decisão da mulher, deve demonstrar compatibilidade com os postulados da proporcionalidade e da razoabilidade na proteção dos interesses constitucionais em conflito, o que não se verifica”.
A fórmula institucional atualmente empregada se mostra excessiva, afirma Rosa Weber, “ao não considerar a igual proteção dos direitos fundamentais das mulheres, dando prevalência absoluta à tutela da vida em potencial (feto)”. Rosa Weber aponta que “a norma inscrita no art. 5º, caput , da CF, não prescreve o feto como uma pessoa constitucional, sujeito titular de direitos fundamentais”. E que “o único fundamento de proteção da vida humana, em particular do feto, como finalidade bastante para amparar a legitimidade dos arts. 124 e 126 do Código Penal, não responde às exigências constitucionais da regra da proporcionalidade, em suas subregras da adequação e da necessidade”, fundamenta.
Rosa Weber pondera que “há razões para presumir por parte do Estado a inaceitabilidade moral da decisão pelo aborto, no exercício do direito fundamental à dignidade da mulher”. Mas a premissa estatal no sentido do equívoco de uma decisão da mulher pela interrupção voluntária da gravidez invade a esfera mais profunda da sua moralidade autônoma e refuta o pluralismo que caracteriza a ética da nossa democracia constitucional.
“Essa questão envolve uma das mais íntimas escolhas que a mulher pode fazer ao longo de sua vida, decisão fundamental para a construção da sua dignidade e autonomia pessoal. O Estado não pode julgar que uma mulher falhou no agir da sua liberdade e da construção do seu ethos pessoal apenas porque sua decisão não converge com a orientação presumivelmente aceita como correta pelo Estado ou pela sociedade, da perspectiva de uma moralidade”, fundamenta a ministra.
A criminalização do aborto, afirma a ministra Rosa Weber, perpetua o quadro de discriminação com base no gênero, porque ninguém supõe, ainda que em última lente, que o homem de alguma forma seja reprovado pela sua conduta de liberdade sexual, afinal a questão reprodutiva não lhe pertence de forma direta. “Tanto que pouco – ou nada – se fala na responsabilidade masculina na abordagem do tema. E mesmo nas situações de aborto legal as mulheres sofrem discriminações e juízos de reprovação moral tanto do corpo social quanto sanitário de sua comunidade”, critica.