Uma reunião em Uberlândia (Triângulo Mineiro), na última sexta-feira (21/6/24), abriu a série de seis encontros no interior sobre a adoção, em Minas Gerais, do Estatuto da Igualdade Racial, um instrumento de garantia de direitos e de combate à discriminação das populações negra e indígena do Estado.
Esses encontros fazem parte do Seminário Legislativo Estatuto da Igualdade Racial, realizado pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). O evento desta sexta é também o segundo encontro regional do evento, que teve uma reunião em Belo Horizonte, no fim de maio, com participantes da Região Central do Estado. A capital será sede, ainda, da etapa estadual, em agosto, quando será votado o documento final do seminário.
O Estatuto da Igualdade Racial em Minas é previsto no Projeto de Lei (PL) 817/23, que tramita na Assembleia e é de autoria das deputadas Macaé Evaristo (PT), Ana Paula Siqueira (Rede), Andréia de Jesus (PT) e Leninha (PT).
Andréia de Jesus representou a ALMG no encontro em Uberlândia. A deputada, que é presidenta da Comissão de Direitos Humanos, destacou a importância de a sociedade mineira opinar sobre o PL 817/23. “Esse debate, que vai passar por várias regiões do Estado, é para dar identidade regional ao Estatuto, para construir as propostas com o povo, de forma regionalizada”, disse ela, em entrevista à TV Assembleia, durante a reunião.
A deputada federal Dandara (PT-MG), que participou do encontro e é de Uberlândia, também destacou o diálogo com a sociedade. “A elaboração de políticas com a participação popular, sem dúvida nenhuma, é fundamental para a democracia e para a efetividade das leis que estamos produzindo. Quanto mais as leis forem baseadas na realidade da vida das pessoas, mais aplicação prática elas vão ter”, declarou Dandara.
A reunião da sexta, realizada durante todo o dia na Associação Comercial e Industrial de Uberlândia, teve as presenças de representantes do Triângulo e também do Alto Paranaíba. Após a abertura com parlamentares e demais autoridades, o professor e coordenador do Grupo de Estudos Afro-Indígenas da Universidade Federal de Jataí (GO), Paulo Barbosa, fez palestra.
Ele lembrou como o Movimento Negro de Uberlândia teve papel central na criação da Fundação Cultural Palmares, na década de 1980. Barbosa reivindicou para Minas uma subsede da entidade federal, responsável por promover a valorização das manifestações culturais negras no Brasil. “A Fundação Cultural Palmares surge de uma reivindicação forte aqui do Triângulo Mineiro”, afirmou. Barbosa ressaltou que, além de a população negra ser expressiva no Estado, Minas teve protagonismo histórico na criação da fundação, por isso merece uma representação local, como já ocorre em alguns outros estados.
O encontro de Uberlândia teve, ainda, reuniões de grupos de trabalho, que discutiram propostas sobre o Estatuto da Igualdade Racial, as quais serão trazidas à etapa estadual, em agosto.
Segundo o Censo, pardos e pretos são quase 60% da população mineira
De acordo com o Censo de 2022, Minas Gerais tem população majoritariamente negra. O levantamento revela que 46,8% dos entrevistados se declararam pardos e 11,8%, pretos. A soma desses dois grupos representa 58,6% da população mineira, ou seja, 12 milhões de pessoas num universo de 20,5 milhões.
Mesmo assim, o cotidiano da população negra em Minas, como no restante do Brasil, é de discriminação. Outro participante da reunião desta sexta, o vereador Gilberto Resende (MDB) disse que a Comissão de Promoção da Igualdade Racial da Câmara Municipal de Uberlândia, presidida por ele, recebeu, neste ano, pelo menos 20 denúncias de intolerância religiosa e racismo.
Resende luta há 12 anos pela criação de uma delegacia especializada em crimes raciais. “O nosso município sofre, já há muitos anos, crimes de intolerância religiosa, racismo, homofobia… Para uma cidade que é a 28ª maior do País e a segunda maior do Estado, é vergonhoso nós não termos uma delegacia que combata e que registre esse tipo de crime”, protestou.
Susi Feoli, idealizadora do projeto Chá das Pretas, criado para dar visibilidade ao trabalho das mulheres negras, espera que o Estatuto da Igualdade Racial reforce o combate e a punição aos crimes de racismo. “Não podemos deixar de falar da questão das reparações (por esses crimes) e isso tem de estar escrito, para que seja adotado por todos da mesma maneira”, afirmou.
Estatuto estadual prevê ouvidoria e financiamento das políticas
O texto original do PL 817/23 tem 81 artigos, que visam defender os direitos da população negra, dos povos indígenas e das comunidades tradicionais. Entre outras coisas, o Estatuto institui uma ouvidoria de promoção da igualdade racial em Minas, para registro de denúncias de racismo. Também cria um sistema de financiamento das políticas de promoção da igualdade racial, com previsão de recursos no orçamento do Estado.
“O Estatuto nasce do desejo de ampliar as políticas de ações afirmativas, romper com a desigualdade racial no Estado e conseguir orçamento para executar as políticas.” Afirmou a deputada Andréia de Jesus
No âmbito nacional, o Estatuto da Igualdade Racial está em vigor desde 2010, na forma da Lei Federal 12.288.
Antes da etapa final, o seminário terá encontros regionais também em Juiz de Fora (Zona da Mata), Pouso Alegre (Sul), Montes Claros (Norte), Araçuaí (Vale do Jequitinhonha) e Coronel Fabriciano (Região Metropolitana do Vale do Aço).