A prisão do general da reserva Braga Netto, no sábado (14), marcou um evento sem precedentes na história do Brasil. Pela primeira vez, um militar que ocupou o mais alto posto do Exército foi detido por decisão do Judiciário, em um processo conduzido exclusivamente por civis. Este episódio ocorreu no ápice do enquadramento das Forças Armadas pela Justiça, em função das investigações sobre a trama golpista envolvendo militares.

Enquanto isso, a cúpula do Exército tenta se afastar do episódio e de Braga Netto, alegando que os atos suspeitos cometidos por ele ocorreram em um contexto político, longe dos quartéis. Entrevista da Folha ouviu oficiais-generais, eles destacaram que o ineditismo da prisão causou constrangimento na caserna, mas reforçaram que o general já havia rompido laços com o oficialato.

Braga Netto já era visto com desconfiança nos círculos militares desde que surgiram indícios de que ele trabalhava para enfraquecer o comando do general Marco Antônio Freire Gomes, chefe do Exército à época. Esse atrito foi agravado após a revelação de mensagens capturadas pela Polícia Federal (PF) em fevereiro, nas quais Braga Netto incentivava ataques a Freire Gomes e outros comandantes.

Em uma das mensagens trocadas com o capitão reformado Ailton Barros, Braga Netto referiu-se a Freire Gomes como “cagão” e sugeriu “oferecer sua cabeça aos leões”. Ele também incentivou Barros a difundir relatos negativos sobre o general Tomás Paiva, atual comandante do Exército, alegando que este agia como um “aliado do PT”.

Essas atitudes ampliaram o distanciamento de Braga Netto em relação à cúpula militar. Atualmente, líderes das Forças Armadas afirmam que já esperavam sua prisão, mas temem que outros generais próximos a ele, como Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira, possam enfrentar destino semelhante.

Embora a detenção de Braga Netto fosse aguardada, sua execução em um sábado pegou a cúpula do Exército de surpresa. O comandante Tomás Paiva foi informado pela Polícia Federal na noite da sexta-feira (13) sobre a operação, mas os alvos só foram confirmados na manhã seguinte.

Durante as primeiras horas do sábado, oficiais debateram onde o general seria mantido preso, dada a preocupação em preservar a hierarquia e a dignidade do posto. Braga Netto foi levado para a 1ª Divisão do Exército, no Rio de Janeiro, onde permanece em uma cela individual.

O general foi preso sob suspeita de obstrução de Justiça, acusado de buscar informações sigilosas da delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid junto a familiares deste. Pela legislação militar, ele tem direito a cumprir prisão em um quartel, mas essa prerrogativa pode ser revogada caso seja considerado indigno para o oficialato pelo Superior Tribunal Militar. Para tanto, é necessário que seja condenado a mais de dois anos de prisão com decisão transitada em julgado.

Em nota oficial, o Exército afirmou estar colaborando com as investigações e reiterou seu respeito às instituições da República. “A Força não se manifesta sobre processos conduzidos por outros órgãos”, declarou.

Apesar disso, o caso expõe o desconforto das Forças Armadas diante do enquadramento promovido pelo Judiciário e das investigações sobre a tentativa de golpe. O ministro da Defesa, José Múcio, tem adotado uma postura conciliadora, buscando minimizar tensões com os militares.

O Congresso Nacional, por sua vez, também tem evitado temas sensíveis para as Forças Armadas. Braga Netto, por exemplo, não foi convocado para depor na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do 8 de Janeiro, realizada em 2023.

A defesa de Braga Netto nega as acusações de obstrução de Justiça e afirma que irá comprovar sua inocência. Anteriormente, o general também havia negado envolvimento na trama golpista.

Nos bastidores, há preocupação de que a prisão de Braga Netto acabe afetando outros militares da reserva e da ativa. Até o momento, a Polícia Federal já indiciou 25 militares por envolvimento na tentativa de golpe, incluindo sete oficiais-generais. Entre os indiciados, 12 pertenciam à ativa no final do governo Bolsonaro.

 

Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil

 


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