O senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS), ex-vice-presidente no governo de Jair Bolsonaro (PL), admitiu que setores das Forças Armadas discutiram a possibilidade de uma ruptura institucional após as eleições de 2022. No entanto, Mourão descreveu o movimento como isolado e sem base para uma execução prática, classificando-o como uma “conspiração tabajara”.
“Foi uma conspiração bem tabajara, algo restrito a conversas no WhatsApp. Em tese, houve reuniões, mas não resultaram em ações concretas. No jargão militar, chamamos de ‘ações táticas’ qualquer movimentação efetiva, e isso não ocorreu. Apenas pensamentos, sem nenhum desdobramento”, afirmou Mourão em entrevista ao jornal “O Globo”.
O senador destacou que a suposta conspiração não teria avançado por falta de apoio dos comandantes das Forças Armadas, especialmente do general Marco Antônio Freire Gomes, que comandava o Exército na época. Mourão elogiou Freire Gomes por sua postura diante das propostas de ruptura.
“É evidente que um golpe para reverter um processo eleitoral à força mergulharia o país no caos. O Exército agiu corretamente ao recusar qualquer envolvimento. A atitude do general Freire Gomes foi exemplar, não há o que contestar”, afirmou.
De acordo com a Polícia Federal (PF), Freire Gomes rejeitou qualquer adesão ao plano golpista, reforçando a necessidade de estabilidade institucional.
O nome de Mourão apareceu em mensagens interceptadas pela PF durante as investigações sobre a tentativa de golpe. Em uma conversa entre o tenente-coronel Sérgio Cavaliere e um interlocutor identificado como “Riva”, mencionou-se que Mourão teria se reunido com outros generais para negociar a saída de Bolsonaro da presidência. Se Bolsonaro se afastasse, Mourão assumiria o comando do governo.
O senador negou categoricamente qualquer envolvimento. “Isso é uma conversa sem pé nem cabeça de dois malucos. Nunca participei de reuniões dessa natureza. Minha agenda é pública e transparente. Citaram meu nome sem fundamento algum, e não dei atenção a essas declarações absurdas”, explicou.
Durante a entrevista, Mourão fez críticas indiretas à gestão de Bolsonaro, atribuindo a derrota nas eleições de 2022 a “idiossincrasias” do ex-presidente, especialmente durante a pandemia de covid-19. “A pandemia foi um fator decisivo contra Bolsonaro. Ele fez declarações desnecessárias sobre temas técnicos, contrariando consensos científicos. Isso pesou muito negativamente”, avaliou.
Para Mourão, a vitória de Lula não foi mérito do petista, mas consequência dos erros da gestão Bolsonaro.
O senador também comentou sobre sua experiência como vice-presidente, minimizando o distanciamento com Bolsonaro e afirmando que o cargo é, por natureza, pouco relevante. “O vice-presidente tem um papel discreto porque, na prática, não possui atribuições significativas. Não houve distanciamento, apenas uma relação natural para a função”, justificou.
A relação entre Mourão e Bolsonaro esfriou ao longo do mandato, culminando na escolha do general Walter Braga Netto como vice na chapa de reeleição em 2022. Mourão não comentou diretamente sobre a prisão preventiva de Braga Netto, ocorrida após a entrevista ao “O Globo”, no contexto de investigações sobre obstrução de justiça.
Sobre o futuro político, Mourão avaliou que a direita pode construir uma candidatura competitiva contra Lula em 2026, desde que consiga unificar forças. Ele evitou indicar nomes, mas destacou que divisões na oposição podem comprometer as chances de vitória.
“Tudo é possível neste país. Lembremos que, até dois anos antes da eleição, Lula também era considerado inelegível. A oposição precisará chegar a um consenso para não se apresentar dividida”, disse Mourão.
Ele também mencionou que Bolsonaro, inelegível até 2030 por decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), enfrenta um cenário complexo, com três indiciamentos da Polícia Federal.
Mourão elogiou a gestão de José Múcio no Ministério da Defesa, classificando-a como “admirável”, mas fez críticas à centralização do orçamento pelo Congresso por meio das emendas impositivas. Apesar disso, o senador discordou da intervenção do Supremo Tribunal Federal (STF) no tema, afirmando que o Legislativo deveria ter autonomia na gestão do orçamento.
“Sou crítico à forma como o Congresso avançou sobre o orçamento federal, mas acredito que a intervenção do STF nesse tema não foi adequada”, argumentou.
Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado