O Exército brasileiro finalizou uma série de mudanças estruturais no Comando de Operações Especiais (COpEsp), com foco principal no 1.º Batalhão de Ações Psicológicas (1.º B Op Psc), unidade que teve parte de seus integrantes envolvidos na tentativa de golpe de Estado associada ao bolsonarismo radical. O batalhão, conhecido por abrigar integrantes dos chamados “kids pretos”, deixará de ser subordinado ao COpEsp e passará a responder diretamente ao Comando Militar do Planalto (CMP), em uma tentativa da cúpula militar de reforçar o caráter estratégico da tropa e submetê-la ao controle direto do alto comando do Exército.

A decisão permite que o 1.º B Op Psc atue em apoio a comandos táticos, como o COpEsp, mediante solicitação, mas assegura que suas operações estejam alinhadas ao Estado-Maior do Exército, e não mais sob tutela tática. O novo arranjo busca evitar que ações sensíveis, como as operações psicológicas, sejam conduzidas de forma autônoma e desconectada da estrutura estratégica da Força.

A medida é a última alteração resultante da reforma promovida no COpEsp, atingindo diretamente o grupo que participou de ações ilegais após as eleições de 2022. Parte da cúpula do 1.º Batalhão esteve envolvida em duas frentes da intentona golpista: uma operação psicológica para enfraquecer o Alto-Comando do Exército (ACE), e uma operação de vigilância contra o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes e o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva.

Um dos principais acusados é o então comandante do batalhão, tenente-coronel Guilherme Marques de Almeida, preso em fevereiro de 2024 durante a Operação Tempus Veritatis. Áudios obtidos pela Polícia Federal contradizem sua alegação de inocência feita ao general Ricardo Piai Carmona, comandante do CMP. Outro envolvido, o tenente-coronel Ronald Ferreira de Araújo Júnior, teve o celular apreendido, e a análise revelou articulações com o coronel Sérgio Ricardo Cavaliere de Medeiros para pressionar o ACE com documentos e ações orquestradas. Em conversa de 28 de novembro, Cavaliere afirma que sua turma promoveu uma “Op Psico forte”, demonstrando que os atos passaram do plano preparatório à execução de ações militares ilegais.

Embora o Exército evite relacionar diretamente a reorganização à tentativa de golpe, a justificativa oficial é de que a condução de ações psicológicas exige controle estratégico e não pode estar sob o comando de instâncias táticas. A mudança reflete o entendimento de que erros estruturais favoreceram desvios de conduta e perda de controle hierárquico. O novo desenho é resultado de um estudo conduzido pelo Estado-Maior do Exército, entregue ao general Richard Nunes e que será avaliado pelo comandante do Exército, general Tomás Miguel Ribeiro Paiva.

Outra alteração significativa foi a redução do efetivo da Companhia QBRN (Química, Biológica, Radiológica e Nuclear) em Goiânia. Parte dos militares será realocada para reforçar o 1.º Batalhão de Defesa QBRN, sediado no Rio de Janeiro, com foco em contraterrorismo e atuação em grandes eventos. A reestruturação atende à Diretriz para Aprimoramento da Capacidade de Defesa QBRN, que prevê também a criação de um Pelotão de Reconhecimento e Vigilância Mecanizado.

O Exército transferiu ainda o curso de operações psicológicas, antes ministrado no COpEsp, para o Centro de Estudos de Pessoal (CEP), no Rio de Janeiro. O Curso de Ações de Comandos (CAC), essencial para quem deseja integrar os “kids pretos”, teve o número de vagas reduzido de 70 para 48. Apenas o 1.º Batalhão de Ações de Comandos e o 1.º Batalhão de Forças Especiais, que compõem o núcleo do COpEsp, foram preservados das reduções.

A cúpula do Exército tenta dissociar as mudanças da crise política e institucional de 2022, mas reconhece a necessidade de reafirmar padrões éticos e valores militares. A insubordinação de parte da tropa revelou fissuras na hierarquia e a existência de oficiais que colocaram interesses pessoais e ideológicos acima dos preceitos da corporação. A preocupação agora é delimitar, de forma inequívoca, os limites entre liberdade de pensamento e deslealdade institucional.

Essa preocupação ganha ainda mais urgência diante da proposta de anistia a militares envolvidos nos episódios golpistas, defendida por parlamentares bolsonaristas. O Congresso discute o que fazer com oficiais que atacaram a democracia, desobedeceram ordens superiores e se voltaram contra os próprios comandantes. O caso do major João Paulo da Costa Araújo Alves, do 2.º Batalhão de Engenharia de Construção, é um dos exemplos. Condenado pelo Superior Tribunal Militar, o major fez campanha política nas redes sociais, desafiando generais e se declarando pré-candidato a deputado federal, desobedecendo ordens superiores.

Outro caso emblemático é o do coronel José Plácido Matias dos Santos, condenado a quatro meses de detenção por incitar a insubordinação do Exército. Em suas postagens, chamou o comandante da Marinha de “prostituta” e conclamou coronéis a se rebelarem contra a legalidade constitucional. Disse esperar que o então comandante do Exército, general Júlio César de Arruda, não se submetesse “ao maior ladrão da história da humanidade”, referindo-se ao presidente eleito.

A possível anistia a esses militares levanta questionamentos sobre o comprometimento com os valores republicanos. Entre os envolvidos, há acusados de planejar atentados contra Lula, Alckmin e Moraes, além de organizar ataques virtuais a generais legalistas e suas famílias. Até viaturas do 1.º BAC teriam sido utilizadas para ações clandestinas contra autoridades.

O Exército teme que a anistia se transforme em uma punição aos militares que cumpriram a lei e em um prêmio aos insubordinados. O risco é de encorajar novos episódios de indisciplina, como já ocorreu em polícias militares estaduais após concessões semelhantes. Para setores das Forças Armadas, perdoar esses atos seria dar continuidade à tentativa de golpe, disfarçada de gesto conciliador.

Embora se reconheça a necessidade de equilíbrio e proporcionalidade nas punições, o temor é real: a anistia pode representar retaliação política contra comandantes legalistas e institucionalizar a deslealdade dentro das Forças. Neste contexto, o debate sobre a reforma das estruturas do COpEsp e o futuro das investigações se insere em uma disputa mais ampla: o destino da hierarquia, da disciplina e da democracia brasileira.

Foto: Isac Nóbrega/PR

 

 


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