O Comando do Exército recusou retirar oficialmente a homenagem à data do golpe militar de 1964 de um quartel em Juiz de Fora (MG), contrariando pedido do Ministério Público Federal (MPF) em ação civil pública. A controvérsia gira em torno da denominação “Brigada 31 de Março”, instituída por portaria durante a ditadura militar em 1974.
Embora tenha aceitado propostas como remover a referência do site oficial e de um letreiro da 4ª Brigada de Infantaria Leve de Montanha, o Exército se opôs à revogação da portaria que oficializa a homenagem. A Procuradoria rejeitou a tentativa de conciliação e manteve a ação judicial.
O quartel de Juiz de Fora tem importância histórica, pois foi o ponto de partida do general Olympio Mourão Filho para mobilizar tropas rumo ao Rio de Janeiro na madrugada de 31 de março de 1964, culminando no golpe que depôs o presidente João Goulart.
Na proposta de setembro, o Exército também sugeriu retirar do site da unidade a expressão “papel decisivo e corajoso na eclosão da revolução democrática”, ainda usada para descrever o golpe. No entanto, o documento assinado pelo general Márcio Nunes Ribeiro, chefe de gabinete do comandante do Exército, Tomás Paiva, evita usar o termo “golpe”, referindo-se ao período como o “início do governo militar”.
Como alternativa à criação de um espaço de memória sobre a participação do quartel no golpe, o Exército propôs instalar uma placa na rua ou em um museu local. A placa, segundo a proposta, destacaria o deslocamento das tropas de Juiz de Fora para “viabilizar o início do governo militar”, sem conotações político-ideológicas e com o conteúdo previamente aprovado pela instituição.
Outra resistência veio em relação ao pedido do MPF para capacitar militares da unidade com cursos que abordem o caráter ilícito do golpe de 1964 e as conclusões da Comissão Nacional da Verdade. O Exército argumentou que temas relacionados a direitos humanos já são abordados na formação de seus quadros e que não seria necessário criar novos cursos.
A Procuradoria rejeitou a proposta do Exército, fundamentando sua decisão em precedentes do Supremo Tribunal Federal (STF). Em julgamento recente, o STF declarou inconstitucional o uso de recursos públicos para promover comemorações relacionadas ao golpe de 1964. Segundo o procurador Thiago Cunha de Almeida, a decisão do STF se aplica diretamente ao caso, que busca impedir homenagens permanentes à data.
“O entendimento do STF sobre o enaltecimento do golpe militar em 31 de março de 1964, ainda que relativo a uma comemoração efêmera, deve ser estendido a este caso, no qual a homenagem é permanente”, argumentou Almeida. Ele reforçou que uma solução consensual seria inviável se envolvesse a manutenção da denominação “Brigada 31 de Março”.
A ação civil pública foi apresentada em abril, mas ficou suspensa desde junho para negociações de conciliação. Com a rejeição da proposta pelo MPF, a tramitação do processo foi retomada no início de novembro.
O debate reflete as tensões persistentes sobre como o Brasil lida com a memória da ditadura militar. O MPF entende que manter a homenagem contradiz os princípios democráticos e reforça uma narrativa que desconsidera os abusos cometidos durante o regime. Já o Exército insiste em preservar parte dessa memória em sua estrutura institucional, mesmo diante das críticas.
O caso reacende discussões sobre o papel das Forças Armadas na promoção de uma narrativa oficial sobre o período da ditadura e seu alinhamento com os valores democráticos atuais. A decisão final pode estabelecer novos parâmetros para homenagens a eventos e figuras associados ao golpe militar, impactando a forma como a história é tratada em instituições públicas.
Foto: 4ª Brigada de Infantaria Leve de Montanha/Divulgação