Áudios obtidos pela Polícia Federal (PF) revelam conversas alarmantes envolvendo militares e aliados próximos ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em uma suposta trama golpista. Entre os envolvidos está o coronel Roberto Raimundo Criscouli, que em uma das gravações defendeu uma “guerra civil” como alternativa caso um golpe de Estado não fosse executado imediatamente.
“Se nós não tomarmos a rédea agora, depois eu acho que vai ser pior. Na realidade, vai ser guerra civil agora ou guerra civil depois. Só que a guerra civil agora tem uma justificativa, o povo tá na rua, nós temos aquele apoio maciço”, disse Criscouli em áudio enviado ao general Mário Fernandes em 4 de novembro de 2022, logo após a derrota de Bolsonaro para Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Essas gravações fazem parte do inquérito que levou ao indiciamento de Bolsonaro e outras 36 pessoas, incluindo militares, pelo planejamento de um golpe para impedir a posse de Lula. Entre os suspeitos estão o general da reserva Braga Netto, ex-ministro da Defesa e vice na chapa derrotada, além de 25 militares.
Criscouli, em outro áudio, critica o que chamou de demora para agir, afirmando que não havia mais espaço para se ater a preceitos democráticos: “Democrata é o cacete, não tem que ser democrata mais agora. ‘Ah, não vou sair das quatro linhas’, acabou o jogo, pô. Não tem mais quatro linhas.” Ele também menciona que os manifestantes nas ruas pediam “pelo amor de Deus” por intervenção militar.
A preocupação com os movimentos de rua foi tema recorrente nas conversas interceptadas. De acordo com a PF, os investigados temiam perder o controle sobre as manifestações. Havia também a expectativa de que, a partir de 20 de dezembro, o Comando Militar passaria a ser liderado por indicados do governo Lula, o que poderia inviabilizar o plano golpista.
Outra figura central nas conversas é Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. Em mensagem de 8 de novembro de 2022, Cid respondeu a Fernandes, afirmando que conversaria com Bolsonaro sobre a necessidade de agir rapidamente. “Vou conversar com o presidente. Ele tem essa personalidade, às vezes, né? Ele espera, espera, espera pra ver até onde vai, ver os apoios que tem. Mas, às vezes, o tempo tá curto, não dá pra esperar muito mais. Teria que ser antes do dia 12”, disse Cid, referindo-se à diplomação de Lula.
Fernandes também compartilhou com Cid sua preocupação sobre o enfraquecimento dos protestos em frente aos quartéis. Segundo ele, os movimentos de rua poderiam se dispersar ou se radicalizar, o que colocaria em risco a execução de qualquer plano golpista. “Os movimentos de manifestação na rua ou vão esmaecer ou recrudescer com radicalismos, e a gente perde o controle. Pode acontecer de tudo.”
As investigações apontam ainda que os suspeitos discutiam um depoimento de um hacker que teria alegado fraudes nas urnas eletrônicas. Em troca de mensagens com Criscouli, Fernandes solicitou o contato de um delegado da Polícia Federal para tratar do caso. Segundo os investigadores, as conversas revelam um esforço para articular ações que pudessem desestabilizar o sistema eleitoral.
Em 19 de dezembro de 2022, o coronel Reginaldo Vieira de Abreu, chefe de gabinete de Fernandes, relatou a frustração com a ausência de Bolsonaro em um ato convocado em frente ao Palácio da Alvorada. Vieira também sugeriu que manifestantes fossem enviados à casa do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), mas confessou sentir “vergonha” de fazer tal pedido após o fracasso anterior. “Pedi pro pessoal ir lá pra casa do presidente, lotaram, ficaram três horas lá, ele nem apareceu. Deve estar com vergonha, né? Aí pedir pro pessoal ir lá pra casa do Arthur Lira… tô com vergonha de pedir”, disse Vieira.
Entre os áudios analisados pela PF, destaca-se o envolvimento de Mário Fernandes no plano chamado “Punhal Verde e Amarelo”. O esquema previa o assassinato de Lula, Alckmin e do ministro Alexandre de Moraes, do STF. Documentos relacionados ao plano foram impressos no Palácio do Planalto por Fernandes, que também teria feito seis cópias do arquivo para distribuição em reuniões estratégicas.
Segundo a PF, Fernandes manteve contato direto com Bolsonaro até o final de seu mandato e atuou como articulador junto a setores do agronegócio e caminhoneiros, buscando consolidar apoio ao golpe. Ele foi preso em 19 de novembro durante a Operação Contragolpe e agora é peça central nas investigações.
Os áudios revelam a crescente desesperança entre os conspiradores à medida que o tempo avançava e o governo Lula se consolidava. As conversas capturam a percepção de que o “tempo estava curto” para implementar qualquer ação, além do temor de que a troca de comando militar e o enfraquecimento das manifestações inviabilizassem o plano.
As gravações e as provas apresentadas no inquérito evidenciam o esforço coordenado para desestabilizar a democracia brasileira e reforçam a gravidade das acusações contra os envolvidos. Os desdobramentos das investigações devem trazer à tona novos detalhes sobre o alcance e a articulação da suposta trama golpista.
Foto: Secom PR