O ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), rompeu nesta semana a unanimidade até então vigente na Primeira Turma da Corte em torno dos julgamentos relacionados aos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023 e à tentativa de golpe que se desenhou em 2022. Pela primeira vez, Fux expôs divergências em relação às decisões do relator dos casos, ministro Alexandre de Moraes, e passou a questionar aspectos centrais dos processos — como a validade da delação do tenente-coronel Mauro Cid e o tamanho das penas aplicadas aos condenados.
Essas manifestações ocorreram durante o julgamento que tornou réus Jair Bolsonaro (PL) e outros sete acusados por conspirar contra a democracia. As ponderações de Fux devem ser aproveitadas pelas defesas, especialmente porque tocam em pontos sensíveis, como a forma como a Procuradoria-Geral da República (PGR) estruturou a acusação.
Até agora, Fux demonstrou preocupação com a definição dos crimes imputados, com a competência do Supremo para julgar certos envolvidos e com a condução dos processos na Primeira Turma, em vez do plenário da Corte. Ele também questionou o rigor das penas aplicadas até aqui — em especial no caso de Débora Rodrigues, cabeleireira condenada a 14 anos por pichar a estátua da Justiça durante a invasão à Praça dos Três Poderes.
Na segunda-feira (24), véspera do julgamento de Bolsonaro, Fux pediu vista no caso de Débora, suspendendo a análise. A decisão foi vista inicialmente como tentativa de reduzir a tensão política em torno do STF, mas também revelou reflexões mais profundas do ministro, especialmente diante de críticas vindas da sociedade e da comunidade jurídica.
Durante a sessão desta quarta-feira (26), Fux foi direto: “Julgamos sob violenta emoção após a verificação da tragédia do 8 de janeiro. Eu vi meu antigo gabinete destruído, com papéis e mesas queimados. Mas os juízes precisam refletir sempre sobre erros e acertos.” Com essa declaração, sinalizou que, apesar de reconhecer a gravidade dos atos, defende ponderação nas decisões da Corte.
Fux, que chegou ao STF em 2011, nomeado pela então presidente Dilma Rousseff, cultivou por anos o desejo de ocupar uma cadeira na Suprema Corte. Juiz desde os 30 anos, enfrentou rejeições anteriores antes de finalmente ser indicado. Suas recentes manifestações, portanto, não parecem um rompimento com a jurisprudência da Corte, mas sim um chamado à cautela e à ponderação.
Apesar dos questionamentos, Fux avisou previamente a Moraes que levantaria dúvidas e pediria vista no caso de Débora Rodrigues. Durante o julgamento de quarta, Moraes respondeu, argumentando que “não foi uma simples pichação”, e que Débora estava envolvida com acampamentos e participou ativamente da tentativa de golpe. Moraes defendeu a coerência do processo e a legitimidade da condenação.
Fux foi o único ministro a divergir, ainda que parcialmente, das decisões tomadas em relação às cinco preliminares levantadas pelas defesas, como suspeição do relator, suposta nulidade da delação de Cid e a proposta de transferir o caso ao plenário. Sua divergência principal foi sobre a questão do foro, mantendo posição mais restritiva já externada anteriormente.
Em relação à colaboração premiada de Mauro Cid, embora tenha acompanhado Moraes na decisão de não anular o acordo, Fux expressou desconforto. Segundo ele, o fato de Cid ter prestado nove delações diferentes gera dúvidas. “Delação premiada é algo muito sério. Nove delações representam nenhuma delação”, afirmou. Para Fux, é essencial que o colaborador aja com boa-fé e consistência. Ele demonstrou interesse em acompanhar pessoalmente o depoimento de Cid durante a fase de instrução: “Gostaria de assistir à oitiva em juízo”.
Ainda que tenha votado contra a nulidade da delação neste momento, Fux fez questão de registrar que poderá reavaliar sua legalidade futuramente. “Me reservo ao direito de avaliar no momento apropriado a legalidade dessa delação. Não é agora o momento de declarar a nulidade, mas vejo com muita reserva esse tipo de colaboração.”
Sobre o caso de Débora Rodrigues, Fux indicou que pretende analisar com mais cuidado as provas antes de definir a pena. Embora, segundo seus assessores, seja improvável que ele vote pela absolvição ou por uma pena drasticamente diferente da aplicada por Moraes e Flávio Dino, ele considera relevante examinar as particularidades do caso.
A avaliação interna é de que Fux buscará identificar se a conduta de Débora se distingue das de outros condenados e, a partir disso, propor uma pena proporcional. Mesmo que chegue a um resultado semelhante, sua preocupação é garantir que o processo seja justo e equilibrado, principalmente diante das críticas que o Supremo tem recebido nos últimos meses.
Essa postura do ministro pode influenciar os próximos julgamentos, inclusive no que diz respeito ao andamento da ação penal contra Bolsonaro e seus aliados. As observações de Fux, especialmente em relação ao rigor das penas e à condução das delações, poderão abrir espaço para ajustes no curso dos processos.
Para a defesa dos acusados, os sinais enviados por Fux representam uma oportunidade. As críticas discretas, mas firmes, aos métodos adotados até aqui serão utilizadas como argumento para futuras contestações. Advogados esperam que o posicionamento do ministro crie um ambiente mais propenso à revisão de penas e à valorização de nuances processuais.
Por outro lado, o STF segue firme na condução dos casos. A tendência majoritária, liderada por Moraes, é manter a linha dura contra os envolvidos nos atos golpistas, reforçando o compromisso da Corte com a proteção da democracia. Mas as ponderações de Fux mostram que há espaço para debate — e que o Supremo também reflete sobre seus próprios limites.
Foto: Rosinei Coutinho/STF