Após a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de transformar Jair Bolsonaro (PL) em réu no inquérito que investiga uma tentativa de golpe de Estado, a oposição no Congresso Nacional se organiza para atuar como linha de frente em defesa do ex-presidente. Parlamentares bolsonaristas articulam a tramitação de propostas que, direta ou indiretamente, podem beneficiar Bolsonaro e seus aliados — entre elas, um projeto de lei que concede anistia aos envolvidos nos atos de 8 de janeiro de 2023 e uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que extingue o foro privilegiado para autoridades.

Na noite de quarta-feira (26), o líder do PL na Câmara, deputado Sóstenes Cavalcante (RJ), anunciou o início de um processo de obstrução parlamentar, em que a oposição evita comparecer às sessões ou impede o quórum necessário para votações. “Nós só estamos começando essa batalha. Arbitrariamente, tornaram o presidente Bolsonaro e mais sete pessoas réus nesse processo. Mas nós já começamos a obstruir aqui na Câmara. Hoje, não teve Ordem do Dia. E vamos continuar nessa trincheira da luta”, declarou.

A sessão de quarta foi cancelada pelo deputado Altineu Côrtes (PL-RJ), vice-presidente da Câmara que está no exercício da presidência em razão da viagem do titular, Hugo Motta (Republicanos-PB), ao Japão. Em plenário, Altineu alegou que não havia consenso entre os líderes partidários para a votação das matérias previstas na pauta, sem mencionar diretamente o impasse político provocado pela oposição.

Embora aliados de Bolsonaro afirmem que o cancelamento decorre de sua estratégia de obstrução, líderes governistas negam. Segundo eles, não havia acordo para votar pautas como a gratuidade da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) para pessoas de baixa renda, e o adiamento seria consequência disso, e não de pressão bolsonarista.

Enquanto isso, o projeto de anistia aos envolvidos nos atos antidemocráticos de janeiro de 2023 avança nos bastidores. A proposta é relatada pelo deputado Rodrigo Valadares (União-SE), aliado de Bolsonaro, e ainda não tem parecer divulgado. No entanto, deve consolidar diversos textos já protocolados, com destaque para o de autoria do deputado Cabo Gilberto (PL-PB). Esse texto prevê anistia ampla a todos que tenham sido acusados ou condenados por envolvimento nos protestos que culminaram na invasão e depredação das sedes dos Três Poderes.

Fica concedida anistia, nos termos do art. 48, VIII, da Constituição Federal, a todos que, em razão das manifestações ocorridas em Brasília na Praça dos Três Poderes, no dia 8 de janeiro de 2023, tenham sido ou venham a ser acusados ou condenados pelos crimes definidos nos arts. 359-L e 359-M do Código Penal”, diz a proposta.

A expectativa da oposição é realizar, na próxima terça-feira, uma reunião preparatória com partidos simpáticos à ideia ou que pretendem liberar suas bancadas para votação. Na quinta-feira seguinte, o tema deve ser discutido em reunião de líderes, com possibilidade de inclusão do requerimento de urgência na pauta da semana seguinte. Caso isso não ocorra, o PL ameaça ampliar a obstrução como forma de pressão.

O presidente da Câmara, Hugo Motta, evita se posicionar abertamente sobre o tema. Segundo parlamentares do centrão, Motta se encontra em uma situação delicada: por um lado, enfrenta a pressão do PL, que possui uma das maiores bancadas da Casa, com 92 deputados, e tem poder de travar votações. Por outro, tenta manter diálogo com o STF, especialmente com ministros como Alexandre de Moraes, relator do inquérito que investiga o ex-presidente.

Uma alternativa cogitada por aliados de Motta seria instalar uma comissão especial para debater o conteúdo da proposta de anistia, promovendo ajustes no texto antes de sua eventual votação em plenário. Isso poderia servir como forma de adiar a decisão e, ao mesmo tempo, demonstrar disposição para discutir o tema.

Do lado governista, o avanço da proposta já acende alertas. O líder do PT na Câmara, deputado Lindbergh Farias (RJ), afirmou que iniciou um mapeamento dos deputados que poderiam votar a favor da anistia. Ele teme que, sob influência de suas bases eleitorais, parlamentares eleitos com discurso mais conservador acabem aderindo à proposta. “A próxima semana vai ser uma confusão. Estou fazendo um mapa voto a voto, estado por estado. Tem deputado que foi eleito na onda bolsonarista e tende a apoiar. Mas o PL não pode empurrar o Parlamento para uma crise institucional com o Judiciário”, advertiu.

Em paralelo, a oposição também tenta impulsionar outra medida polêmica: a votação de uma PEC que extingue o foro privilegiado. O vice-líder da oposição, deputado Sanderson (PL-RS), protocolou novo requerimento para que Hugo Motta inclua a proposta na pauta do plenário. A PEC, de autoria do ex-senador Alvaro Dias, foi aprovada no Senado em 2017, mas permanece parada na Câmara.

Com o fim do foro privilegiado, o STF se reservará à sua função principal de guardião da Constituição, afastando da Corte a função de Delegacia de Polícia de autoridades”, argumentou Sanderson. A mudança abriria caminho para que Jair Bolsonaro fosse julgado por juízes de primeira instância, o que poderia alterar o curso de seu processo.

Bolsonaro, por sua vez, negou ter pedido diretamente a inclusão da PEC na pauta, mas manifestou apoio à proposta. “Tem uma PEC que passou no Senado e leva os casos para a primeira instância. Claro que, no meu caso, irei para a primeira instância”, disse o ex-presidente, em entrevista recente.

A ofensiva bolsonarista no Congresso se intensifica num momento de crescente tensão entre os Poderes. A base governista teme que o embate entre Legislativo e Judiciário se aprofunde, com efeitos imprevisíveis para a estabilidade institucional. A estratégia da oposição é clara: transformar o Congresso em escudo político para Bolsonaro, apostando que a pressão legislativa possa, se não reverter, ao menos amenizar as consequências judiciais que se avizinham.

Foto: Kayo Magalhães/Câmara dos Deputados


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