Violação à plenitude de defesa

Impossibilidade de indeferimento de provas pelo Juiz Presidente do Juri – Inconstitucionalidade do § 2º do art 411 do CPP

Por Flávio Brasil Marzano

O § 2º do art 411 do CPP prenuncia que “as provas serão produzidas numa só audiência, podendo o juiz indeferir as consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias.”

As alegações de nulidade por cerceamento de defesa têm sido julgadas pelos Tribunais Superiores Brasileiros no pensamento de que “não há que se falar em cerceamento de defesa pelo só indeferimento de algum meio probatório requerido pela Defesa, notadamente porque, sendo o Magistrado o principal destinatário das provas, a ele caberá, de acordo com a sua discricionariedade motivada, indeferir aquelas que entender meramente protelatórias, desnecessárias ou impertinentes para auxiliar no deslinde do processo.”

Além do disposto acima os tribunais tem decidido que cabe a defesa demonstrar previamente a imprescindibilidade (pertinência) das provas requeridas para o deslinde da causa, e assim, somente em casos excepcionais e quando demonstrado prejuízo extreme de dúvida, é que se deve realizar a intervenção em atenção ao contraditório e ampla defesa.

Infelizmente o Judiciário Brasileiro, como um todo, não se legitimou, não se abriu aos ditames democráticos da Constituição de 1988 em sua doutrina de inclusão social de garantias a todos os indivíduos brasileiros.

Lamentavelmente, o Judiciário se fechou em si mesmo, e vem repetindo os pensamentos de tempos autoritários, um verdadeiro ranço interpretativo de realizar a interpretação dos dispositivos Constitucionais com base nos institutos jurídicos existentes.

Em matéria de Processo Penal a Constituição de 1988 é interpretada conforme o Código de Processo penal de 1941, ou seja, mudaram-se os institutos Constitucionais em 1988, mas o conteúdo jurídico dos mesmos é esvaziado para que calcem os institutos pré-existentes.

Preponderante na interpretação de nosso judiciário é restringir o exercício do direito constitucional dos indivíduos à capacidade de entrega do serviço do judiciário, ou seja, nosso Judiciário pune os infratores excluídos socialmente e os que tem condição de exigir o cumprimento do conteúdo constitucional de seus direitos simplesmente se safam, porque o sistema penal brasileiro não tem condições de realizar todo o processo sem violar, em algum momento os direitos e garantias fundamentais dos indivíduos.

Os Tribunais tem adotado em suas decisões o princípio do pas de nullité sans grief (“ não há nulidade sem prejuízo”) que exige a demonstração de prejuízo concreto pela parte que suscita o vício para que seja possível sua decretação. Basta o juiz justificar que acha impertinente determinada prova para seu convencimento que a defesa não tem como demonstrar, na prática, prejuízo efetivo e concreto.

Destarte, o que se tem entendido é que o Magistrado que instrui o processo, fazendo uso do seu poder de livre apreciação das provas, não fica vinculado aos requerimentos das partes, caso não os julgue estritamente necessários à resolução do caso concreto, não configurando, portanto, nulidade o fato de não se acatar um pedido de produção de prova formulado por qualquer dos interessados.

Com efeito, o pensamento que está dominante nos tribunais é que a prova se destina ao magistrado, que pode indeferi-la, fundamentadamente, quando entender que é irrelevante, impertinente ou protelatória, nos termos do que dispõe o art. 411, § 2º, do Código de Processo Penal.

Assim, vê-se que o entendimento é que o destinatário das provas é o juiz, que pode e deve, determinar, se for o caso, a realização de provas que possam subsidiá-lo na tarefa de solução dos processos, assim como indeferir aquelas que julgar desnecessárias.

Neste sentido já se verifica uma grave incongruência com a sistemática da Constituição de 1988, o princípio do duplo grau de jurisdição, que permite ao Tribunal rever aa decisões dos juízos de primeira instância.

Na sistemática do Duplo Grau de Jurisdição adotada por nossa constituição, as provas não são mais somente para o convencimento do magistrado que instrui o processo, como era no pensamento de 1941, mas também pela nova sistemática Constitucional, para dos magistrados dos Tribunais, que podem revisar as decisões dos juízes de primeira instância e até mesmo para a própria parte pois pode utilizar de todos os meios de prova admitidos para provar as suas teses.

No caso do Júri a questão é ainda mais grave.

As provas do Tribunal do Júri são produzidas para o Conselho de Sentença e não para o juiz togado. Esta soberania é reconhecida na Constituição da República Federativa Brasileira de 1988, em seu artigo 5º, XXXVIII, c, determinou que “é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados (…) a) a plenitude de defesa …c) a soberania dos veredictos”.

O que acontece no Plenário do Júri é destinado ao convencimento do Conselho de Sentença, que tem soberana competência constitucional para decidir, inclusive sem motivação.

A plenitude de defesa vale dizer, é bem mais “ampla” do que a ampla defesa garantida a todos os litigantes em processo judicial ou administrativo. Na plenitude de defesa, a defesa técnica e a autodefesa possuem total liberdade de argumentos, não se limitando aos jurídicos podendo a defesa se utilizar inclusive de argumentos não jurídicos, tais como: sociológicos, políticos, religiosos, morais, etc..

Quando o magistrado indefere provas que a defesa usaria no plenário está prejulgando e tirando da defesa a oportunidade de produzir as provas que acha necessárias para o livre convencimento do juízo, no caso o Conselho de Sentença.

É mister salientar que nos art. 422 a 424 do CPP não há qualquer menção a indeferimento de requerimentos por parte do juízo, no entanto os Presidentes dos Tribunais do Júri, têm interpretado o plenário do Júri como instrução e utilizado da premissa do ar. 411, §2º do CPP para indeferir provas que julga impertinentes.

A situação é gravíssima, pois quando o Juiz Presidente indefere qualquer prova que a Defesa levaria a Plenário, imprime seus filtros de julgador, ao predeterminar o que é importante ou não para o convencimento dos jurados e viola a constituição pois restringe a soberania do efetivo poder jurisdicional do Conselho de Sentença, cerceando as informações que a defesa julga pertinentes para o convencimento dos jurados.

Ser soberano significa o poder absoluto, acima do qual inexiste outro. Traduzindo-se quando o Juiz Presidente indefere provas a serem levadas a plenário, na prática está subordinando os veredictos do Conselho de Sentença ao seu próprio entendimento do que é ou não pertinente para julgamento e o destinatário dos argumentos neste caso não é ele.

Conclui-se que o indeferimento de provas pelo Juiz Presidente para serem levadas a plenário do Júri, se demonstra inconstitucional por agredir a Plenitude de Defesa e a Soberania dos Veredictos determinados no artigo 5º, XXXVIII, a e  c da Constituição Federal pois subordina o julgamento do Conselho de Sentença ao seu julgamento do que seria ou não argumentos válidos para a defesa.