Em entrevista ao jornalista Daniel Weterman, do Estadão, o sociólogo José Pastore, especialista em relações do trabalho, aponta que o ativismo judicial na área trabalhista no Brasil não decorre das leis em si, mas do que ele descreve como uma “ideologia social” de parte dos juízes. Para ele, muitos magistrados, ao tentarem proteger o trabalhador, acabam extrapolando a letra da lei, comprometendo a segurança jurídica e gerando custos adicionais às empresas. “Todo direito tem custo, todo benefício gera despesa. Os juízes não compreendem essas coisas e, para querer proteger e fazer justiça social, passam por cima das leis”, afirmou Pastore.

Recentemente, ele coordenou um estudo para a Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (Fecomercio SP), que analisou casos em que o “ativismo judicial” – quando um juiz decide sem base legal ou contrariando a legislação – resultou em prejuízos milionários para as empresas. A pesquisa aponta que decisões que vão além do previsto em lei afetam a segurança jurídica e freiam investimentos. “Toda vez que um juiz tira da cabeça dele uma interpretação e condena uma empresa, ele provoca um prejuízo imediato e dá uma sinalização negativa para todos os empresários. Quem estava seguindo a lei vai pensar: ‘eu achei que estava certo, agora não vou expandir meu negócio’.”

Pastore observa que a insegurança jurídica aumentou nos últimos anos devido à crescente diversidade ideológica e social entre os juízes. “A composição dos tribunais está mais eclética e os juízes mais ideológicos. É um reflexo da busca por mais diversidade e justiça social em todas as áreas. Isso faz com que o Judiciário esteja se tornando muito imaginativo na hora de decidir”, explicou.

A reforma trabalhista de 2017 buscou resolver parte desses problemas, fortalecendo a negociação direta entre patrões e empregados, permitindo, por exemplo, que se negociasse a redução do horário de almoço. No entanto, Pastore aponta que alguns magistrados invalidam acordos firmados entre as partes, o que vai contra a intenção da reforma. “Dentro dessa lógica de justiça social, muitos juízes invalidam acordos feitos legalmente entre empregados e empregadores, com participação de sindicatos.”

O sociólogo argumenta que o problema não está na lei, mas na interpretação judicial. Ele acredita que a solução seria tornar a legislação ainda mais clara, especificando os limites da negociação. “O artigo 611-A da reforma trabalhista já lista os itens que podem ser negociados livremente entre empregado e empregador, mas muitos juízes ignoram isso. O STF e o Conselho Nacional de Justiça poderiam regular essa questão”, sugere.

Para as empresas, o ativismo judicial cria incertezas e aumenta os custos de operação. “Uma decisão judicial que impõe gastos elevados pode fazer com que a empresa repense seus investimentos. Em casos extremos, algumas podem até considerar sair do país, o que prejudica o trabalhador que, em tese, o juiz queria proteger”, observa Pastore.

Ele cita como exemplo o setor de home care, onde decisões que invalidam o banco de horas – previsto na reforma trabalhista – obrigam empresas a pagar horas extras, encarecendo o serviço. Isso impacta diretamente as famílias que contratam o home care, que podem ser forçadas a buscar atendimento no SUS, transferindo o custo para o sistema público. “Essas decisões, além de impactar financeiramente o setor, acabam prejudicando o trabalhador e a população que depende do serviço.”

Outro ponto abordado por Pastore é a concessão da justiça gratuita. Ele argumenta que a reforma trabalhista estabeleceu critérios para determinar quem tem direito ao benefício, mas que muitos juízes acabam concedendo a gratuidade sem a comprovação de renda necessária. “Os juízes precisam entender que todo direito tem custo, todo benefício gera despesa. E, ao proteger em excesso, acabam desrespeitando a lei”, pontua.

Pastore criticou ainda a revisão da terceirização, defendida pelo ministro Flávio Dino, do STF, que alertou para o risco de o Brasil se tornar uma “nação de pejotizados”. Para ele, a terceirização, quando feita dentro dos padrões da lei, protege o trabalhador, e o problema está nas empresas que desrespeitam a legislação, e não na terceirização em si.

Ao falar sobre os trabalhadores de aplicativos, como motoristas e entregadores, Pastore vê positivamente a proposta de inclusão desses profissionais na Previdência Social, considerando-a uma proteção necessária. No entanto, ele critica a tentativa de obrigar esses trabalhadores a se filiarem a sindicatos, chamando-a de “inconstitucional“. “Para muitos sindicatos, essa obrigatoriedade representaria uma fonte de renda significativa, mas o sindicalismo deve nascer da vontade dos trabalhadores”, defende.

Em relação ao governo Lula, Pastore avalia que o impacto de suas políticas ainda é limitado, pois muitas propostas não têm avançado no Congresso. “O governo tem anunciado mudanças, como a do Fundo de Garantia e o fim do saque-aniversário, mas não consegue aprovação. Como não têm força no Congresso, recorrem ao Judiciário para implementar essas políticas por meio de portarias e decretos, o que, por sua vez, pode aumentar o ativismo judicial.”

Ele menciona, por exemplo, o decreto que responsabiliza as empresas pelo diagnóstico de burnout em trabalhadores, o que, segundo ele, poderia ser mais bem discutido se fosse uma lei debatida no Congresso.

A nova lei de igualdade salarial entre homens e mulheres também foi abordada por Pastore, que expressou preocupação com as possíveis consequências judiciais dessa legislação. Ele argumenta que nem todas as diferenças salariais decorrem de discriminação, mencionando o exemplo de gerentes que exercem o mesmo cargo em agências de tamanhos diferentes, com responsabilidades distintas. “A nossa lei ignorou essas nuances. Nem toda diferença salarial é discriminação“, afirmou.

Para ele, a retroatividade da lei e as multas previstas podem gerar um “maná de despesas” para as empresas, alimentando o mercado de ações judiciais. “Advogados inescrupulosos e sindicatos podem ver nisso uma oportunidade de mercado”, advertiu.

Pastore encerra sua análise apontando para os desafios trazidos pela alta informalidade e pelo envelhecimento populacional no Brasil. Ele alerta que, com encargos sociais elevados, pequenas empresas acabam sendo pressionadas a contratar informalmente, o que agrava o déficit da Previdência Social. “Se um grande empresário sente o peso das decisões judiciais, o pequeno empresário sente ainda mais. Com isso, temos uma força de trabalho informal crescente, o que sobrecarrega o sistema de assistência social”, finalizou.

Para Pastore, o fortalecimento da segurança jurídica e o equilíbrio nas decisões judiciais são essenciais para criar um ambiente de trabalho saudável e garantir que direitos e deveres sejam respeitados, preservando tanto as empresas quanto os trabalhadores no cenário econômico brasileiro.

Foto: Bábara Cabral/TST


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