Na semana passada, Belo Horizonte foi cenário de um temporal que deixou várias ruas alagadas, inundou casas e arrastou carros em vários pontos da capital. Com o aumento dos impactos da crise climática nas grandes cidades, esses temporais tornaram-se acontecimentos previsíveis para essa época, o que tem aumentado as demandas por políticas públicas que atenuem seus impactos.
Uma solução para diminuir os estragos causados pelas chuvas na capital mineira vem do projeto de extensão Lembra: isto é rio, sediado na Escola de Arquitetura da UFMG. Seus integrantes lançarão nesta quinta-feira, 1° de fevereiro, um estudo de manejo de águas pluviais na capital com infraestruturas verdes e azuis, técnicas baseadas na natureza. A intenção é que o material seja acessado por gestores públicos, políticos e sociedade civil.
Além do documento, que será disponibilizado no website do Projeto Manuelzão e no Instagram do Grupo, os integrantes do Lembra: isto é rio vão realizar uma caminhada pela bacia hidrográfica do Córrego do Capão para conversar sobre histórias e possibilidades de manejo das águas das chuvas na região. A caminhada, que passará pelos locais onde foram instaladas cinco placas em áreas que acumulam ou dispersam água, ocorrerá na sexta-feira, 2, a partir das 9h, e o grupo se encontrará no Jardim do Buracão, na Rua Monsieur T. Nunes, 55, no Bairro Lagoa. Haverá, ainda, um debate sobre a gestão política e territorial das águas de Belo Horizonte, que será transmitido pelo Youtube também amanhã, 1°, às 19h.
Modelo
O material que será lançado nesta quinta-feira é baseado na dissertação Resposta hidrológica de uma bacia hidrográfica urbana à implantação de técnicas compensatórias de drenagem urbana, defendida em 2017 por Deyvid Wavel Barreto Rosa, na Escola de Engenharia da UFMG. Por meio de modelos computacionais e da análise de dados fornecidos pela Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), o pesquisador construiu um modelo hidrológico para a Bacia Hidrográfica do Córrego do Leitão, na capital.
A Bacia do Leitão foi a escolhida porque foi definida como bacia-piloto nos estudos hidrológicos da capital e já vinha sendo monitorada pela Prefeitura desde 2011. Além disso, a bacia corta uma área de urbanização consolidada, em que investimentos públicos vêm sendo feitos desde o planejamento da cidade, o que mostra que as inundações frequentes não se devem à falta de recursos, mas ao modelo de urbanismo adotado.
“Fiz uma simulação de como é a Bacia do Córrego do Leitão e propus cenários com usos alternativos do solo. Entre eles, testei a implementação parcial das técnicas que integram o material que estamos lançando agora. O estudo mostrou que, se implementarmos as técnicas propostas em 50% das áreas disponíveis, isso já reduziria quase por completo as inundações das regiões que integram a bacia. Assim, as técnicas apresentadas foram capazes de armazenar, filtrar e reter um volume muito grande de água das chuvas”, explica Deyvid.
O documento ora lançado explica o que são as infraestruturas verdes e azuis propostas na pesquisa de Deyvid. Ele também apresenta os principais motivos para a aplicação desse tipo de técnica, discorre sobre questões atuais associadas ao manejo das águas de chuva no município e sugere ferramentas para auxiliar na gestão dos recursos hídricos.
“O aumento das enchentes está relacionado à mudança no uso do solo e às mudanças climáticas. Buscamos promover uma ampla discussão sobre o tema no município, considerando as recorrentes inundações e enchentes nas temporadas de chuva dos últimos anos. O poder público precisa agir, mas algumas das técnicas propostas podem ser aplicadas também pelos moradores da capital”, conta a pesquisadora Isabela Izidoro, também vinculada ao projeto Lembra: isto é rio.
Canalizar não é a solução
Além dos textos, o material é composto de fotomontagens de implementação das técnicas na paisagem de Belo Horizonte, diagramas, mapas, gráficos e imagens esquemáticas. Isabela Isidoro conta que o grupo de pesquisadores da Escola de Arquitetura também fez um apanhado histórico sobre o tratamento dado às águas em Belo Horizonte – dos primórdios da cidade até os dias atuais. Ela explica que, desde o planejamento da nova capital e, até muito recentemente, as soluções adotadas para a ocupação do espaço no município se baseavam na canalização dos rios e dos córregos.
“A Bacia do Leitão foi uma das primeiras a ter partes de seus córregos canalizados, e a expulsão dos córregos da paisagem e o cotidiano da cidade geraram muitos impactos. O crescimento urbano se deu com a impermeabilização dos solos, com a retirada das matas e com o aterramento de nascentes, brejos e áreas de várzeas.”
Deyvid acrescenta que a impermeabilização das áreas urbanas impede que a água das chuvas infiltre no solo e, como consequência, escoe rapidamente na superfície em direção aos cursos d’água. Ele afirma que as técnicas propostas no estudo vão ao encontro de uma gestão mais sustentável da água da chuva, de forma a resgatar o ciclo hidrológico natural.
“No ciclo natural, a água da chuva cai, é retida pela superfície e infiltra no solo. Ela então escoa mais lentamente e chega ao curso dos rios em um volume menor e em tempo maior. Não há como desocuparmos a cidade, então precisamos adequá-la para que seu ciclo hidrológico seja mais parecido com o natural.”
Jardim de chuva, telhado verde, rua calçada
Entre as técnicas propostas na cartilha estão o jardim de chuva, o telhado verde, o pavimento permeável, o reservatório individual de água das chuvas e as trincheiras de infiltração. O jardim de chuva, por exemplo, consiste na descompactação do solo de jardins que já existem nas casas, calçadas e canteiros centrais da cidade, além da inclusão de material drenante e da plantação de outras vegetações que auxiliam na retenção e na infiltração das águas. Essa medida já ajudaria a diminuir as enchentes, uma vez que existem muitos fragmentos de grama espalhados pela capital.
“Outra solução que a pesquisa mostrou ser interessante é a transformação das ruas de asfalto em ruas de calçamento. Já foi desenvolvido uma espécie de pavimento permeável intertravado, que tem uma camada de brita e areia na parte inferior e que é resistente. Tal pavimento poderia ser usado em vias locais, possibilitando maior infiltração das águas das chuvas no solo, diminuindo a necessidade de uma rede de drenagem robusta e atenuando os prejuízos com as inundações”, diz Deyvid.
Além das medidas que podem ser aplicadas pelo poder público, o material lançado pelo grupo também propõe soluções viáveis que podem ser postas em prática pelos cidadãos no âmbito doméstico. “Os estudos devem discutir a aplicação das técnicas de forma ampla. É necessário um movimento da sociedade, pois ela precisa estar informada e saber que existem alternativas, soluções e modos de construir diferentes, e que essas soluções não são, necessariamente, grandes obras centralizadas do poder público. Assim como a inundação afeta a todos, a solução também passa envolvimento da coletividade”, defende David Barreto Rosa.
Conviver com a chuva
Isabela explica que o projeto sediado na Escola de Arquitetura trabalha pela incidência das questões das águas urbanas no debate público e visa à criação de materiais pedagógicos, como o que está sendo lançado nesta semana, para estimular o diálogo entre a universidade, o poder público e as diversas instâncias sociais.
“Pensamos em imaginários para a ocupação e para a vida na cidade com as águas. O grupo se preocupa em apresentar possibilidades para o planejamento urbano, de forma que a cidade consiga conviver com os córregos e com as chuvas. A tomada de decisões e a implantação de abordagens que permitam a adaptação da cidade pelos responsáveis pelas políticas públicas relacionadas às águas têm acontecido de forma muito lenta”, afirma a pesquisadora.
Deyvid acrescenta que os problemas relacionados ao manejo da água das chuvas e às inundações precisam ser resolvidos o quanto antes. “A velocidade de adoção das medidas é pequena se comparada à emergência climática. A cidade tem pressa porque as ondas de calor e as chuvas intensas deverão acontecer com frequência cada vez maior. Daí a necessidade de que as pessoas participem dos debates públicos e pensem soluções coletivas”, conclui o pesquisador.