Após o assassinato do dirigente petista Marcelo Arruda em Foz do Iguaçu (PR), no último sábado (9), a passagem do ex-presidente Lula (PT) por Brasília na noite de quarta-feira (13) teve como um dos destaques as constantes menções à violência política.
O tema esteve na boca não só do atual pré-candidato ao Palácio do Planalto, mas também de lideranças, parceiros político-partidários e militantes que foram ao local do evento para agraciar Lula e festejar a ida do líder petista à capital federal.
Logo depois de subir no palco, o ex-presidente fez referência ao tema. Em uma analogia indireta com o presidente Jair Bolsonaro (PL) e sem citar o nome do ex-capitão, Lula destacou que, em sua longa trajetória política, não tem “nenhum sinal de violência”. Ao mencionar casos como o do assassinato de Marcelo Arruda, ele pediu para os apoiadores evitarem confrontos de ordem político-eleitoral.
“Nas greves de 1980, quando a polícia estava lá, preparada para sufocar os trabalhadores, eu dizia pros trabalhadores: ‘Olha, nós vamos sair do estádio e vamos pra represa pescar. Eu não quero ninguém brigando, ninguém aceitando provocação’. É isto que nós temos que fazer nestes próximos três meses”, aconselhou, ao pedir que os apoiadores deem “lição de moral”.
O tema permeou uma série de outros discursos no palco do evento. “Não vamos nos dobrar ao ódio”, disse, por exemplo, a presidenta nacional do PT, Gleisi Hoffmann, que pediu um minuto de silêncio em memória de Marcelo Arruda e outras vítimas de crimes com teor político.
Ela citou Marielle Franco, Anderson Gomes, o indigenista Bruno Pereira e o jornalista Dom Phillips, bem como o mestre de capoeira Moa do Katendê, todos assassinados em crimes movidos pelo ódio. “Ninguém vai colocar medo em nós. Nós não vamos abaixar a cabeça”, bradou a petista.
A altivez também marcou a fala do presidente nacional do Psol, Juliano Medeiros, que exaltou a importância da coragem na atual disputa política como contraposição ao discurso de ódio: “Ao mesmo tempo em que temos que estar vigilantes e mobilizados, nós não podemos dar nenhum passo atrás. O medo não pode ter lugar entre nós”. “Eles não vão nos atemorizar”, emendou o candidato a vice de Lula, Geraldo Alckmin (PSB), também em aceno contrário ao bolsonarismo.
Alerta
O assunto ganhou a audiência também da servidora pública Rosa Cimiana, que foi ao local do evento para ver o ex-presidente. Ela acredita que a violência política não inibe os eleitores interessados em manifestar seu posicionamento durante a pré-campanha, mas entende que a situação emite um alerta para este momento por conta do rastro que casos como o de Marcelo Arruda deixam no caminho.
“É muito preocupante, tanto é que hoje [12], em Goiânia, atingiram um diretório”, afirma, ao mencionar um incêndio que afetou a direção do PT na capital de Goiás. Ainda não se sabe as causas do ocorrido, mas o local já foi incendiado em outros dois momentos, quando houve constatação de crime.
Já a administradora Mariana Rosas, atual pré-candidata a deputada no Distrito Federal, diz não se preocupar com os ataques. “A gente enfrenta essa perseguição e essas ameaças desde muito antes da eleição da Dilma, então, a gente já está acostumado. A gente nunca saiu da rua e sempre se expôs. Isso não tira nossa coragem e nossa vontade de estar nas ruas e aqui falando do Lula”, garante.
Para o geógrafo e militante do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) Valdir Misnerovicz, que veio de Goiânia (GO) para acompanhar o ato do ex-presidente, o que ocorreu no Paraná traz prejuízos à campanha eleitoral.
“Não há dúvida nenhuma de que cria uma insegurança, uma preocupação muito grande. É uma tentativa clara de intimidar todas as lideranças, militantes e também os pré-candidatos que estão fazendo voz contra essa cultura do ódio disseminada por esse governo”.
O geógrafo experimentou na pele o contexto de acirramento político quando, ainda em 2016, no contexto do golpe que afastou Dilma Rousseff (PT), chegou a ser preso em Goiás em um esquema denunciado pelo MST como sendo de prisão arquitetada com fins políticos.
Misnerovicz, lideranças populares do estado, intelectuais e outros apoiadores acusaram representantes das elites locais de orquestrarem uma prisão voltada à criminalização da luta do geógrafo no âmbito da organização por reforma agrária.
Diante desse passado e das demais vivências que se somaram em sua jornada política, Misnerovicz entende que, apesar do clima de insegurança que hoje se destaca no país, a atuação de militantes e eleitores precisa seguir “forte e ativa”.
“Estamos bastante preocupados com tudo isso, mas nem por isso iremos desistir de continuar falando a verdade, levando a esperança para o povo brasileiro, levando mensagem do Lula e levando uma mensagem de esperança para o país”.
Caminhos possíveis
Para o militante do PT Pedro Del Castro, que tem 23 anos de vida política, a violência atual impressiona “em termos quantitativos”. Ele, que já atuou como militante secundarista, sindicalista, dirigente de movimento popular, assessor de bancada parlamentar e de governos do partido, destaca a diferença que percebe entre os tempos atuais e anos anteriores no que se refere ao clima de insegurança.
“A violência sempre existiu e de forma mais entocada. A cabeça de um sem-terra, por exemplo, valia R$ 50 no interior do Pará. O problema é que essa violência de agora, para além do quantitativo, está concentrada nas grandes cidades. O nível de civilidade que foi construído no pacto pós-1988, com a Constituição, foi rompido. Então, a violência se espalhou pelo Brasil como um todo”, resume.
Um monitoramento feito pelo Observatório da Violência Política e Eleitoral, da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), mostra que, entre 1º de abril e 30 de junho deste ano, houve 101 casos de violência contra lideranças políticas no país, com 24 homicídios.
O total corresponde a um aumento de 17,4% em relação ao mesmo trimestre de 2020, ano de eleições municipais no país. O levantamento é feito por pesquisadores desde janeiro de 2019, quando Bolsonaro assumiu a Presidência da República, e publica boletins a cada três meses.
De lá pra cá, o observatório registrou 1.209 casos de violência contra lideranças. Os dados somam intimidações, agressões, atentados, sequestros – inclusive de familiares de políticos – e homicídios.
Questionado sobre quais seriam os caminhos para se erradicarem os ataques e crimes de ódio, Pedro Del Castro descarta a possibilidade de existência de fórmula ou método que possa garantir êxito.
“Eu não consigo ver a política de uma forma muito cartesiana. Acho que a política é uma ação da vida, então, não consigo ver um antídoto. Se tivesse, já estaríamos emplacando. Eu sei que a gente tem que resistir e confrontar,” diz, ao emendar que acredita em uma “estratégia fundamental”.
“Primeiro, temos que derrotar o Bolsonaro e, segundo, posteriormente, temos que derrotar o bolsonarismo porque a violência, por mais que o Lula ganhe, vai continuar instalada. Então, são esses dois inimigos”, encerra o militante.