O tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL), será ouvido nesta quinta-feira (21) pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). O depoimento tem como foco esclarecer possíveis omissões em sua delação premiada, que trata das ações de aliados do ex-presidente em planejamentos golpistas. O ministro do STF poderá decidir pela anulação ou não do acordo de colaboração firmado por Cid.
A delação de Mauro Cid, homologada em setembro de 2023, tornou-se central para diversas investigações contra Bolsonaro. No entanto, a Polícia Federal (PF) aponta que o militar não tem cumprido integralmente os termos do acordo, o que estaria prejudicando as apurações. Em relatório enviado ao ministro Moraes, a PF identificou supostas omissões em relação a informações cruciais para desmantelar uma rede de planejamentos antidemocráticos. A defesa do tenente-coronel nega essas acusações, sustentando que ele colabora de maneira plena e dentro do esperado.
Entre os pontos controversos levantados pela Polícia Federal está a possível omissão de Cid sobre o envolvimento em um suposto plano de golpe de Estado. Segundo informações obtidas a partir de arquivos de seu celular, aliados de Bolsonaro teriam discutido medidas que incluíam a prisão do ministro Moraes e o impedimento da posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e de seu vice, Geraldo Alckmin (PSB), em 2022.
Cid afirmou à PF que não conhecia um plano que previa inclusive assassinatos de lideranças políticas e do ministro do STF. Esse plano veio à tona na terça-feira (19), após a prisão de cinco suspeitos envolvidos em sua elaboração, incluindo militares da reserva e um policial federal. A investigação indica que os encontros para discutir a estratégia golpista teriam ocorrido na casa do general Braga Netto, ex-ministro da Defesa e candidato a vice-presidente na chapa derrotada de Bolsonaro.
Embora negue envolvimento direto, Cid foi convocado por Moraes devido às contradições entre seus depoimentos e as provas apresentadas pela Polícia Federal. O ministro ressaltou a necessidade de ouvir o tenente-coronel para verificar a regularidade e a legalidade da colaboração premiada. Caso as omissões sejam comprovadas, o acordo de delação pode ser invalidado, o que faria Cid perder os benefícios concedidos, mas não anularia as provas já colhidas.
Preso inicialmente em maio de 2023 por suspeita de fraude nos registros de imunização contra a Covid-19, Cid firmou o acordo de delação como uma tentativa de obter benefícios em troca de informações relevantes para as investigações. Além da fraude vacinal, ele se tornou peça-chave em casos relacionados a ataques ao sistema eleitoral, posse de joias de alto valor, e outras denúncias contra o ex-presidente Bolsonaro.
Cid confirmou em depoimentos que aliados do ex-presidente monitoraram os passos de Moraes em 2022, com o objetivo de prendê-lo caso fosse necessário implementar medidas golpistas. A minuta do plano previa a detenção do ministro e a adoção de estratégias jurídicas discutidas em reuniões entre Bolsonaro e chefes militares. Essas declarações foram posteriormente corroboradas pelos comandantes do Exército e da Aeronáutica.
Na terça-feira (19), após a prisão dos cinco suspeitos, Mauro Cid prestou depoimento por cerca de três horas na sede da Polícia Federal. A defesa do tenente-coronel, representada pelo advogado Cezar Bittencourt, alegou que não há motivos para questionar a validade da delação. Bittencourt afirmou que Cid tem cumprido sua parte no acordo e que não participou de nenhum plano para derrubar o governo ou impedir a posse de Lula.
A delação de Cid já havia sido colocada em dúvida no início do ano, quando áudios revelados pela imprensa indicavam que ele estaria sendo pressionado a confirmar narrativas predefinidas pela PF. Em março, após a divulgação dessas gravações, ele foi preso novamente por descumprimento de medidas cautelares e por tentativa de obstrução de Justiça. Moraes decidiu soltá-lo em maio, impondo restrições como o uso de tornozeleira eletrônica e a proibição de contato com outros investigados.
A prisão dos suspeitos na última semana intensificou o cerco contra aliados de Bolsonaro e evidenciou o papel central de Cid na elucidação de estratégias antidemocráticas. O general da reserva Mario Fernandes, apontado como autor do plano que incluía os assassinatos, foi um dos presos. As investigações sugerem que os encontros para discutir as ações ocorreram em dezembro de 2022 e envolviam integrantes do alto escalão militar.
O ministro Moraes também acionou a Procuradoria-Geral da República (PGR), que deverá emitir parecer sobre a manutenção do acordo de delação premiada. Caso a colaboração de Cid seja anulada, ele enfrentará o processo judicial sem os benefícios acordados, o que pode incluir penas mais severas.
O depoimento desta quinta-feira será crucial para definir o futuro da delação de Mauro Cid e os desdobramentos das investigações contra aliados de Bolsonaro. O caso, que envolve diretamente membros do governo anterior e lideranças militares, representa um dos episódios mais graves relacionados à democracia brasileira nos últimos anos.
Foto: Lula Marques/ Agência Brasil