O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), avaliou que a denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e aliados é suficientemente clara e detalhada, o que indica a possibilidade de abertura de ação penal. A manifestação foi feita nesta quarta-feira (26), durante julgamento na Primeira Turma da Corte, que analisa se aceita ou não a acusação formal contra Bolsonaro e outras sete figuras centrais na chamada trama golpista de 2022.

Segundo Moraes, a PGR cumpriu o que determina o artigo 41 do Código de Processo Penal, ao relatar minuciosamente os fatos ilícitos, suas circunstâncias e os fundamentos jurídicos da denúncia. “A Procuradoria-Geral da República descreveu satisfatoriamente os fatos ilícitos em todas as suas circunstâncias, dando aos acusados o amplo conhecimento dos motivos e das razões pelas quais foram denunciados”, afirmou o ministro.

Logo no início de seu voto, Moraes reproduziu trechos da acusação e classificou a peça como “amplamente satisfatória”. A denúncia envolve Bolsonaro e outras sete figuras que, segundo a PGR, compõem o núcleo central da tentativa de golpe. São eles: o deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ), o ex-ministro da Justiça Anderson Torres, o ex-comandante da Marinha Almir Garnier, o ex-ministro da Defesa e da Casa Civil Walter Braga Netto, o ex-comandante do Exército Paulo Sérgio Nogueira, o ex-ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) Augusto Heleno e o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid.

O ex-presidente Bolsonaro não compareceu ao Supremo nesta quarta-feira, diferentemente do primeiro dia de julgamento. Na ocasião, ele foi visto brevemente nos corredores da Corte.

Moraes destacou que a fase atual do julgamento não exige a comprovação da culpa dos denunciados, mas sim uma análise prévia sobre a suficiência dos indícios apresentados. “A cognição neste momento é mais estrita, não exauriente. Não se atesta ainda a culpabilidade, pois não houve contraditório nem possibilidade de contestação de prova a prova”, explicou.

Durante sua fala, o ministro ressaltou que as defesas dos réus, em sua maioria, não negaram a gravidade dos atos de 8 de janeiro de 2023, ainda que tenham rejeitado qualquer responsabilidade individual sobre os crimes ocorridos. Ele exibiu imagens dos atos de depredação nas sedes dos Três Poderes e também de protestos que pediam intervenção militar após a derrota eleitoral de Bolsonaro em 2022.

“O ser humano tem um viés de positividade, uma autoproteção do cérebro para esquecer más notícias”, disse Moraes. “Mas não podemos relativizar os fatos. O dia 8 de janeiro foi uma tragédia para a democracia brasileira. Não foi um domingo no parque. Ninguém estava passeando ali. Tudo estava bloqueado e foi necessário romper barreiras policiais.”

Em tom crítico, ele comentou a tentativa de suavizar os acontecimentos: “Pessoas de boa-fé acabam sendo enganadas por quem age de má-fé, com mentiras, distorções, dizendo que eram apenas senhoras com Bíblia na mão, com batom, querendo apenas retocar a estátua”. A fala foi uma referência ao caso da cabeleireira Débora Rodrigues dos Santos, ré em outro processo, acusada de pichar a escultura “A Justiça”, localizada em frente ao STF.

Se a denúncia for recebida, Bolsonaro passará a ser réu em uma ação penal no Supremo. Ele responderá por tentativa de abolição violenta do Estado democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça contra patrimônio da União, deterioração de patrimônio tombado e participação em organização criminosa.

O julgamento diz respeito ao núcleo central da articulação golpista, um dos cinco grupos apontados pela PGR no inquérito. Desde a manhã de terça-feira (25), os ministros da Primeira Turma analisam se há indícios suficientes de materialidade e autoria para abrir processo contra os acusados. O objetivo é verificar se a denúncia tem elementos concretos que sustentem a ligação entre os denunciados e os crimes narrados.

O processo, se aceito, seguirá para instrução, com a fase de produção de provas, oitiva de testemunhas e perícias. Ao final, os réus serão interrogados, e o caso estará pronto para julgamento de mérito.

O procurador-geral da República, Paulo Gonet, sustentou que Bolsonaro não só tinha conhecimento da articulação golpista, como concordou com a proposta de eliminar fisicamente o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e o próprio Alexandre de Moraes. Essa acusação, no entanto, não consta no relatório final da Polícia Federal, que não indicia Bolsonaro por planejar assassinatos.

Durante a sessão, Moraes leu o relatório do caso, dando sequência à fala da PGR pela acusação, e então às manifestações das defesas dos oito indiciados.

A Primeira Turma do STF é composta pelos ministros Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin (que preside o colegiado), Cármen Lúcia, Flávio Dino e Luiz Fux. Até o momento, o grupo já rejeitou as chamadas preliminares apresentadas pelas defesas, ou seja, tentativas de encerrar o processo antes da análise do mérito da acusação.

A expectativa é que o julgamento se estenda por mais sessões, dado o número de réus e a complexidade da denúncia. O desfecho definirá se Bolsonaro e os demais acusados enfrentarão uma ação penal no STF pelos eventos que colocaram em risco a estabilidade institucional e o regime democrático no país.

Foto: Rosinei Coutinho/STF


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