A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou nesta sexta-feira, 9 de maio, o julgamento da deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) e do hacker Walter Delgatti Neto, conhecido como “Vermelho”, pelos crimes de invasão aos sistemas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e falsidade ideológica. Ambos são acusados de integrar um plano cibernético que, segundo a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR), buscava desacreditar o Poder Judiciário.
Relator da ação penal, o ministro Alexandre de Moraes foi o primeiro a votar e defendeu a condenação dos dois réus. Ele propôs pena de dez anos de prisão em regime fechado para a deputada e oito anos e três meses para Delgatti. No caso de Zambelli, Moraes também defendeu a perda do mandato parlamentar. O julgamento ocorre em plenário virtual e se estenderá até a próxima sexta-feira, 16 de maio, sem debates entre os ministros, que registram seus votos diretamente na plataforma online do STF.
Além de Moraes, integram a Primeira Turma os ministros Cristiano Zanin, Flávio Dino, Luiz Fux e Cármen Lúcia. O voto do relator aponta que os crimes ficaram claramente demonstrados e que Zambelli atuou como “instigadora e mandante” da ação, coordenando o ataque ao CNJ com Delgatti.
O episódio ocorreu em janeiro de 2023, quando o sistema do CNJ foi invadido e usado para emitir documentos forjados. Entre os arquivos inseridos, estava um mandado de prisão falso contra o próprio Moraes, com a frase “faz o L” ao final. Também foram gerados um suposto bloqueio de R$ 22,9 milhões em bens do ministro — valor relacionado a uma multa imposta ao PL por questionar a legitimidade das urnas eletrônicas — e uma ordem fictícia para quebra de sigilo bancário do magistrado.
A Polícia Federal, em seu relatório final, concluiu que Zambelli teve participação direta no plano. Documentos encontrados em seus dispositivos eletrônicos coincidem com arquivos falsos inseridos no sistema do CNJ, o que para Moraes representa uma “prova técnica irrefutável”. A PF destacou que o ataque tinha como objetivo minar a confiança pública no Judiciário.
Walter Delgatti admitiu o crime e afirmou ter recebido aproximadamente R$ 40 mil pelo serviço, parte em transferências feitas por um ex-assessor da deputada e o restante em espécie, em São Paulo. Embora a PF tenha identificado transferências no valor de R$ 10,5 mil, também concluiu que os depósitos teriam sido usados para a compra de bebidas alcoólicas, desconstruindo parte do relato do hacker.
As comunicações diretas entre Zambelli e Delgatti se limitaram a mensagens sobre Alexandre de Moraes. Em uma delas, a deputada pede o endereço do ministro, alegando que sua mãe desejava lhe enviar uma carta. Zambelli também afirmou ter contratado Delgatti para gerenciar suas redes sociais e site pessoal, mas seus assessores negaram que ele tenha exercido essa função.
A deputada ainda responde a outro processo no STF, relacionado ao episódio em que perseguiu um homem com uma arma de fogo na véspera do segundo turno das eleições de 2022. Há maioria formada para sua condenação por porte ilegal de arma e constrangimento ilegal com uso de violência, além da cassação do mandato, mas o julgamento está suspenso por pedido de vista do ministro Kassio Nunes Marques.
Em seu voto, Moraes sustentou que Zambelli e Delgatti mantiveram uma “ligação umbilical” voltada a fins “antirrepublicanos” e relacionou o ataque ao CNJ ao ambiente político que antecedeu os atos golpistas de 8 de janeiro. Segundo o ministro, a proximidade temporal entre os eventos indica uma correlação planejada.
Para Moraes, a gravidade do caso vai além das tipificações penais: trata-se de uma ameaça direta às instituições democráticas e ao Estado de Direito. Ele qualificou os atos como parte de uma estratégia de erosão institucional, típica de regimes autoritários. Seu voto, com 120 páginas, foi baseado em provas materiais, relatórios da PF e depoimentos que, segundo o ministro, confirmam as versões apresentadas por Delgatti.
“O elemento probatório mais significativo a corroborar a versão do acusado Walter Delgatti Neto consiste na localização de arquivos idênticos nos dispositivos eletrônicos de ambos os acusados”, afirmou Moraes, ao concluir seu voto pela condenação.
Foto: Antônio Augusto/STF