Nas eleições municipais de segundo turno, as mulheres mineiras, ao lado das eleitoras de Curitiba e Goiânia, desempenharam um papel decisivo na rejeição de candidatos mais alinhados ao ex-presidente Jair Bolsonaro. Em Belo Horizonte, essa rejeição feminina ajudou na reeleição do prefeito Fuad Noman (PSD), evidenciando o que analistas consideram uma “barreira de contenção” das mulheres contra o campo bolsonarista, optando por nomes mais moderados de centro ou de direita. Esse fenômeno é sustentado pelas pesquisas realizadas pela Quaest nas três capitais, apontando que as eleitoras preferiram candidatos que se distanciam do radicalismo associado ao bolsonarismo.

Em Belo Horizonte, as mulheres constituíram uma força importante para o resultado final. O levantamento de véspera mostrou que Noman tinha uma vantagem expressiva entre as eleitoras, com 49% das intenções de voto, contra 37% para seu oponente, o bolsonarista Bruno Engler (PL). Em contraste, o cenário entre os homens apresentava um empate técnico, com Engler ligeiramente à frente, registrando 45% contra 43% de Noman. A escolha feminina foi determinante para garantir a vitória do atual prefeito, que se posicionou como um candidato moderado e focado nas necessidades da população.

Este padrão de comportamento eleitoral feminino não foi exclusividade de Belo Horizonte. Em Goiânia, Sandro Mabel (União), apoiado pelo governador Ronaldo Caiado e que também se apresenta como uma figura política de perfil mais moderado, mostrou 17 pontos percentuais de vantagem sobre Fred Rodrigues (PL), candidato diretamente ligado a Bolsonaro, no segmento feminino. Porém, entre os eleitores masculinos, a disputa era muito mais acirrada, com uma leve vantagem para Mabel, de 44% contra 41%. Em Curitiba, a história se repetiu: Eduardo Pimentel (PSD), candidato de centro-direita aliado ao governador Ratinho Júnior, liderava amplamente entre as mulheres, com 55% das intenções, mas mantinha um empate técnico entre os homens com Cristina Graeml (PMB), que tinha o apoio de Bolsonaro.

Esse fenômeno não é novo para o bolsonarismo. Desde a campanha presidencial de 2022, Bolsonaro enfrentou dificuldades em conquistar a adesão do eleitorado feminino, registrando altos índices de rejeição entre as mulheres. Para Renato Meirelles, presidente do Instituto Locomotiva, os resultados das eleições municipais reforçam o perfil mais moderado do eleitorado feminino. Meirelles aponta que, como maioria entre os usuários dos serviços públicos, as mulheres tendem a se preocupar com pautas práticas e cotidianas da cidade, como saúde, educação e segurança pública.

A relação das mulheres com candidatos de perfil mais moderado nas eleições municipais de Belo Horizonte é explicada, em parte, pelo papel ativo delas em demandas urbanas específicas. Nas três capitais, os candidatos que conseguiram apoio das eleitoras femininas são aqueles que, ao longo da campanha, demonstraram interesse em resolver problemas locais, muitas vezes focados em temas que afetam diretamente a vida das mulheres, como vagas em creches, qualidade do sistema de saúde e segurança pública. Essa inclinação por candidatos mais moderados sugere que o eleitorado feminino é sensível a propostas que privilegiem uma abordagem menos polarizada e mais focada na resolução prática dos desafios locais.

Em resposta ao desafio de conquistar o voto feminino, alguns candidatos alinhados a Bolsonaro tentaram adotar uma comunicação mais cuidadosa e próxima dos valores das mulheres. Em Goiânia, Fred Rodrigues, por exemplo, recorreu ao histórico de saúde de sua esposa, diagnosticada com esclerose múltipla, em um apelo emocional transmitido em propagandas de TV. Já em Belo Horizonte, Bruno Engler buscou modular seu discurso, suavizando sua retórica ao longo do pleito. Embora conhecido por ser um aliado fiel de Bolsonaro, Engler evitou ataques diretos ao prefeito Fuad Noman e procurou adotar um tom menos radical para tentar conquistar as eleitoras mais moderadas.

Entretanto, Cristina Graeml em Curitiba escolheu uma estratégia oposta, reforçando sua associação com o ex-presidente e promovendo pautas de interesse do eleitorado bolsonarista, como a criação de um “instituto pró-vida”, cujo objetivo seria desestimular o aborto mesmo nos casos permitidos por lei. Essa abordagem pareceu, no entanto, não ter o efeito desejado entre o eleitorado feminino de Curitiba, que, como o de Belo Horizonte, preferiu um candidato mais moderado.

O cientista político Josué Medeiros, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), observa que esse padrão de votação é um reflexo de uma rejeição crescente das mulheres em relação ao que considera “soluções radicais” promovidas pela extrema direita. “As mulheres têm rejeitado a violência que a extrema direita apresenta como solução para os problemas. Por isso, optaram por candidatos da direita tradicional nestas três cidades e por programas que combatam esse extremismo”, afirma Medeiros. Ele aponta que, em tempos de alta polarização, o eleitorado feminino parece buscar estabilidade e pragmatismo, privilegiando candidatos capazes de promover uma governança mais equilibrada e menos ideologizada.

Em Minas Gerais, os resultados refletem uma tendência importante para a política nacional: a influência das mulheres na contenção de agendas mais radicais, abrindo espaço para candidatos que se propõem a abordar as questões locais com maior objetividade. Em resposta, candidatos alinhados a Bolsonaro podem ter que reconsiderar suas estratégias, especialmente em estados como Minas Gerais, onde a rejeição feminina ao bolsonarismo mostrou-se decisiva.

O resultado das eleições em Belo Horizonte e em outras capitais sugere que o campo bolsonarista ainda encontra dificuldades para se conectar com o eleitorado feminino, majoritário e central na definição de resultados eleitorais. A disputa por essa parcela do eleitorado, que tem se mostrado cada vez mais exigente quanto ao compromisso com pautas objetivas e menos polarizadas, será um desafio crucial para qualquer grupo político com aspirações nacionais nos próximos pleitos.

 

 

 


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