O Rio de Janeiro, de onde me afastei por alergia a balas perdidas e outros tantos incômodos, continua lindo. Mas eu, infelizmente, permaneço longe dela, a cidade maravilhosa, apesar das suas belezas e encantos, tanto naturais quanto aqueles que emolduram a sua gente, generosa e feliz. Nós mineiros, criados ao sopé das montanhas, sem enxergar a linha do horizonte, temos dificuldade para entender essa cidade especial que abriga povo tão diferente. A visão do mar, que se perde na imensidão do azul e a brisa que permeia o calor quase sempre ardido, fazem do Rio algo que os mineiros traduzem com dificuldade. De Minas tenho na memória cheiro de terra molhada, de grama cortada, de esterco de curral, de xixi de gato e, divagando, até das plantações de maconha lá dos recônditos de Mucugê, na Bahia, mas não memorizo os odores do Rio. Sei que são vários e exóticos, principalmente aqueles que fermentam nos estádios e nos ensaios das escolas de samba, e que fazem da libido carioca algo especial e notoriamente temerário para os desavisados. Os cheiros, ou odores, se preferir, são regionais e sazonais; são até culturais e, por que não, patrimônio imaterial de gente e lugar.

Povo diferente, mesmo. Que o diga o Naninho, o querido Carlos Nasser, recentemente chamado ao outro plano. Ele era paranaense ,mas morava em Ipanema e chefiava o Escritório do Governo do Paraná no centro do Rio. Naninho, sempre escudado pelo seu motorista, o conhecido “Flecha”, era estimado por Raphael de Almeida Magalhães, advogado e ex-governador daquele Estado, e pelo não menos famoso jornalista Paulo Francis, aos quais ele conduzia nas andanças do trio em meio a intrincadas interpretações dos enigmas da política da época, além de ter, segundo ele, acesso privilegiado aos herdeiros de Roberto Marinho.

Não cheguei a caminhar com eles pelo calçadão de Ipanema, nem tive o prazer de um chopp em sua companhia, apesar de ter recebido o Raphael em minha casa, em BH. Mas, do Naninho trago lembranças várias e quase todas divertidas. Certa feita ele me telefonou para ir ao Rio e participar de um encontro com algumas moças extrovertidas e atraentes. Como bom mineiro, fui logo perguntando se elas eram putas. Ele, indignado, disse que não, absolutamente. Afirmou que eram advogadas, psicólogas, moças da sociedade, que se permitiam diversão, mas que gostavam de um presente de final de noite, preferencialmente em dinheiro. Então são putas, reiterei, mas ele de novo discordou e disse: Caio você precisa se atualizar. Esse negócio de puta é coisa preconceituosa e démodé. Essas moças, delicadas e gentis, são apenas “amadoras marrons”, que nos distraem e fazem da vida algo mais fácil de se levar adiante. Enfim, o encontro não aconteceu. Ficamos apenas na troca de ideias ao telefone, em meros prolegômenos de um evento que terminou sem ter começado.

Esse era o Nasser e a sua cultura carioca, de swing ( no sentido de balanço ) maneiro e extrovertido, principalmente no tocante aos seus espasmos envolvendo circunstâncias inerentes à sensualidade. De outra feita estávamos, o Naninho e eu, na pérgola ( prefiro a palavra com a sua raiz italiana ) do Hotel Copacabana Palace, num sábado ensolarado, próximo do meio dia. Em dado momento e com certo rompante, surgiu no cenário a figura do conhecido colunista social à época, Ibrahim Sued, falecido em 1995, trazendo na mão direita uma grande sacola de cor azul, que continha três pequenos cães da raça poodle, o menor deles, porque existem três tamanhos de animais dessa raça. Ibrahim, que também se tornou conhecido pelas frases “olho vivo, que cavalo não desce escada” e “ademã, que eu vou em frente”, colocou a sacola sobre uma das mesas rente à piscina e de imediato surgiram dois garçons trazendo várias garrafas de água mineral. Ato contínuo os garçons deram banho nos cães, sem ensaboar, sob os olhares vigilantes do Ibrahim. Em face do inusitado, olhei de esgueio ( adoro essa palavra em desuso ) meio torto, para o Nasser e disse em voz baixa e pausada: amigo, por que esse cara é tão bem sucedido e nós não somos? Ele respondeu de pronto: é porque ele não tem autocrítica. A tal da autocrítica é um desastre, prosseguiu o Nasser. “Ela estabelece limites, impede avanços, embaça as oportunidades. O indivíduo feio e malvestido, que sai à tarde em busca de aventura, canta doze mulheres e tem onze insucessos, mas acaba capturando uma delas, certamente. O bonitão perfumado, bem vestido e com dinheiro no bolso, que está sempre se esmerando nas técnicas de abordagem, escolhendo o momento, procurando o lugar e a hora certos, buscando palavras e duvidando da sua capacidade de acertar, volta para casa de madrugada sem conquistar ninguém”. E, completou o Naninho: “é assim que acontece, tanto na vida pessoal, quanto na profissional e principalmente na política, quando o Zé da Couve ganha para deputado, o Curió da Funerária se elege prefeito e muitos outros tantos aventureiros, inclusive aqueles egressos do chão das fábricas e da caserna, acabam chegando lá, onde nem sempre merecem estar”.

Sou grande apreciador da cultura de botequim, principalmente à beira da piscina de um dos hotéis mais conhecidos do país e inspirado por uísque de ótima cêpa. Voilà !!!


5 Comentários

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    Alberto, fevereiro 19, 2022 23:36 @ 23:36

    Gostei!!!
    Recordações, alicerçam nosso passado, refletem nosso presente e catapulta-nos para futuras lembranças!

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    Gracinha Barbosa, fevereiro 19, 2022 23:40 @ 23:40

    Muito bom . Adorei . Bem ao estilo Caio Brandão. Parabéns.

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    Edson Paulino Cordeiro, fevereiro 20, 2022 18:24 @ 18:24

    Caio Brandão é literato nato! Mas, talvez, por excesso de autocrítica, prejudica aqueles que perdem a chance de ler excelentes e primorosas obras que a sua habilidade nos poderia
    produzir proporcionar! O Naninho estava cheio de razão !!!!

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    Edson Paulino Cordeiro, fevereiro 20, 2022 20:24 @ 20:24

    Caio Brandão é literato nato!!!

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    Edson Paulino Cordeiro, fevereiro 20, 2022 20:26 @ 20:26

    Excelente o texto!!!

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