Alex M. S. Aguiar

Os dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento – SNIS (http://www.snis.gov.br/) consolidam informações prestadas por municípios (titulares dos serviços) e prestadores de serviço (prefeituras municipais, companhias estaduais, empresas públicas, autarquias municipais, empresas privadas ou organizações sociais) em todo país. Em 2020, ano de referência da última publicação dos dados, foram coletadas informações referentes ao abastecimento de água em 5.350 municípios do país, abrangendo 98,6% da população total e 99,1% da população urbana brasileira.

Minas Gerais possui 853 municípios, o que equivale a mais de 15% dos municípios brasileiros. Os dados do SNIS para o ano de 2020 mostram um índice global de atendimento pelo abastecimento de água no estado de 82,3% da população total estimada pelo IBGE para aquele ano, um pouco abaixo do índice obtido para todo o país (84,1%).

O Índice de Atendimento de Água e as Parcelas de População Rural dos Municípios

A desagregação deste índice de atendimento de 82,3% no estado possibilita entender melhor o quadro atual e suas peculiaridades, apontando questões relevantes para a evolução do atendimento da população mineira com o serviço de abastecimento de água. A Tabela 1 apresenta o número de municípios agrupados segundo a estratificação do índice de atendimento da população total:

Tabela 1: Municípios e Faixa de Índices de Atendimento com Abastecimento de Água

Índice de Atendimento (I.A.)

Municípios

População Total (hab.)

% da População de MG

População Atendida (hab.)

% da População de MG

Quantidade

% de MG

I.A. ≤ 50%

150

17,6%

1.303.836

6,1%

505.082

2,4%

50% < I.A. ≤ 70%

279

32,7%

2.768.146

13,0%

1.686.164

7,9%

70% < I.A. ≤ 90%

274

32,1%

8.469.761

39,8%

6.946.874

32,6%

I.A. > 90%

132

15,5%

8.665.146

40,7%

8.391.261

39,4%

Sem informação

18

2,1%

88.386

0,4%

0

0,0%

TOTAL

853

100,0%

21.295.275

100,0%

17.529.381

82,3%

Verifica-se da Tabela 1 que mais de 1,3 milhões de mineiros se encontram em 150 municípios com índice de atendimento por abastecimento de água inferior ou igual a 50%, e outros 2,7 milhões em 279 municípios onde o índice de atendimento se encontra entre 50% e 70% da população.

Usando as taxas de porcentagem rural da população obtidas junto aos dados do Censo 2010 do IBGE, último disponível, observa-se que o índice de atendimento com abastecimento de água da população em MG é menor naqueles municípios onde a parcela rural da população é maior:

Tabela 2: Índice de Atendimento com Abastecimento de Água e % Rural da População dos Municípios

Índice de Atendimento

Nº de Municípios

População Total (hab.)

% Rural da População

Média

Mediana

I.A. ≤ 50%

150

1.303.836

58,6%

59,2%

50% < I.A. ≤ 70%

279

2.768.146

37,6%

37,4%

70% < I.A. ≤ 90%

274

8.469.761

17,5%

17,5%

I.A. > 90%

132

8.665.146

20,0%

15,8%

Sem informação

18

88.386

34,5%

31,0%

TOTAL

853

21.295.275

32,1%

29,6%

Obs.: População Rural em MG estimada em 3.030.393 habitantes (14,2% da População Total)

Nos 150 municípios onde o índice de atendimento por abastecimento de água é menor ou igual a 50%, a Copasa e/ou a Copanor estão presentes em 139 (93% dos municípios) e os prestadores públicos locais nos demais 11 (7% dos municípios). Tal fato, combinado com a constatação de menores índices de atendimento nos municípios onde há maior população rural, coloca em questão a prática dessas empresas regionais, Copasa e Copanor, de limitar sua atuação apenas às áreas urbanas, não assumindo a concessão da operação do serviço em áreas rurais. Essa prática de limitar sua atuação às áreas urbanas consiste, seguramente, em um ponto de enfraquecimento da atuação da Copasa (e de sua subsidiária Copanor) na universalização do abastecimento de água nos municípios em que atua. Tal prática poderia ser coibida mediante o estabelecimento em lei que as concessões para prestação do serviço de abastecimento de água deveriam, sempre, se estender a toda a área do município, e não apenas à sua sede ou a alguns distritos, ainda que sob diferentes formas de atuação – como exemplo, as soluções de operação por meio de Associações Comunitárias, com suporte técnico e administrativo das empresas estaduais, a exemplo do Sisar, no Ceará, ou das Centrais de Associações, na Bahia.

Por outro lado, no grupo dos 132 municípios onde o índice de atendimento com abastecimento de água supera 90% da população total, a população rural é menos representativa, apresentando média e mediana iguais a 20% e 15,8%, respectivamente, valores significativamente inferiores àqueles observados para os municípios com índice de atendimento inferior ou igual a 50 % (média = 58,6%; mediana = 59,2%). Nestes 132 municípios predominam os prestadores públicos locais: são eles os operadores em 113 municípios (86% do total), sendo que em quatro destes também há a presença da Copasa. Já as prestadoras regionais, Copasa e Copanor, atuam em 19 destes 132 municípios (15% do total). As prestadoras privadas se encontram em 3 (2% do total), e uma empresa de direito privado com a administração pública atuando em 1 município – Juiz de Fora.

Ainda neste grupo de 132 municípios, 73 (55%) têm população inferior a 20.000 habitantes, sendo que a atuação de operadores públicos locais se dá em 66 destes municípios (90%), em dois deles com a presença também da Copasa. Com isso, vê-se a importância dos serviços públicos locais no contexto de estender o acesso do abastecimento de água a toda a população dos municípios.

É interessante observar que das seis concessões privadas no estado, três (Araújos, Paraguaçu, e Santo Antônio do Amparo) integram o grupo com índices de atendimento com abastecimento de água entre 70% e 90%, e as outras três (Bom Sucesso, Ouro Preto, e Pará de Minas) integram o grupo com índice de atendimento superior a 90% da população do município. Nestes seis municípios, contudo, a parcela rural da população varia de 5,5% a 17,7%, apresentando média e mediana iguais a 13,3%, valores também significativamente inferiores àqueles observados para os municípios com índices de atendimento mais baixo. Isso indica que também as prestadoras privadas que atuam no estado têm prestado o serviço em municípios com menores populações rurais e, na prática, restringindo sua atuação às áreas urbanas dos municípios.

Caracterização do Porte dos Municípios no Índice de Atendimento

A Tabela 3 apresenta o porte e a quantidade dos municípios que integram as faixas de índice de atendimento selecionadas:

Tabela 3: Nº de Municípios por Faixa de População e de Índice de Atendimento com Abastecimento de Água

População Total (hab)

Nº de Municípios segundo o Índice de Atendimento (I.A)

Total de Municípios

50%

50% a ≤70%

70% a. ≤ 90%

> 90%

Sem informação

1 a 50.000

150

276

240

97

18

781

50.001 a 500.000

0

3

33

32

0

68

500.001 a 1.000.000

0

0

1

2

0

3

> 1.000.000

0

0

0

1

0

1

TOTAL

150

279

274

132

18

853

Verifica-se que à medida que são agregados municípios mais populosos ao grupos, os índices de atendimento da população se tornam mais elevados, como apresentado na Tabela 3. O índice de atendimento global para essas faixas populacionais é mostrado na Tabela 4:

Tabela 4: Índice de Atendimento com Abastecimento de Água segundo o Porte dos Municípios

Faixa de População (hab.)

Nº de Municípios

População Total (hab.)

População Atendida (hab.)

Índice de Atendimento

1 a 50.000

781

8.643.251

6.001.322

69,4%

50.001 a 500.000

68

8.189.129

7.293.118

89,1%

500.001 a 1.000.000

3

1.941.331

1.828.753

94,2%

> 1.000.000

1

2.521.564

2.406.188

95,4%

TOTAL

853

21.295.275

17.529.381

82,3%

Observa-se que os índices de atendimento com abastecimento de água são mais elevados nos grupos de municípios de maior porte populacional. Essa característica está associada à priorização de atuação em locais onde o potencial de geração de receita é maior, deixando em segundo plano os pequenos municípios. Complementarmente, esta priorização de atuação em municípios mais populosos também pode ser associada ao percentual rural da população dos municípios. Verifica-se que para os 587 municípios mineiros com parcela rural superior a 20% da população total, 584 (ou 99,5%) têm população inferior a 50.000 habitantes.

Conclusão

A desagregação dos dados de abastecimento de água do SNIS para os municípios de MG indica que os prestadores priorizam atuar nos municípios mais populosos e com menor parcela rural em sua população. A despeito do índice geral de atendimento de 82,4% da população do estado, verifica-se que em 429 (cerca de 50% dos 853) municípios do estado esse índice é inferior a 70%.

Os prestadores privados que atuam no estado operam em municípios com baixos índices de população rural, entre 5,5% e 17,7% da população, cenário que mantém, portanto, a restrição do atendimento apenas às áreas urbanizadas.

Os serviços públicos de abrangência local apresentam elevados índices de atendimento (>90%) nos municípios de pequeno porte (Pop. <20.000 habitantes), mesmo com maiores parcelas rurais da população.

A universalização do abastecimento de água em Minas Gerais somente será alcançada com políticas inclusivas, que considerem o atendimento dos pequenos municípios e da população rural do estado. Este não é o quadro percebido em MG, a partir dos dados do SNIS. Tanto os prestadores públicos como os privados têm deixado de lado as populações rurais do estado e, também, os pequenos municípios, incapazes de gerar receitas que tragam ganhos significativos.

Logo, para que a universalização do abastecimento de água ocorra em Minas Gerais é fundamental substituir o foco em ganhos financeiros pelo foco em ganhos sociais, e dificilmente, convenhamos, isso será alcançado com a privatização da prestação dos serviços de saneamento.


2 Comentários

  • Fábio Bianchetti, junho 23, 2022 11:30 @ 11:30

    Excelente e pertinente análise, Alex! Um diagnóstico incontestável de como estão sendo direcionado esforços para onde menos precisa, pois historicamente os esforços foram concentrados lá, e deixando à margem os locais que mais precisam. Precisamos pensar e debater novos rumos. Parabéns!

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    Erlon Flávio, junho 24, 2022 10:28 @ 10:28

    Muito interessante sua análise e mostra a importância do subsídio cruzado e foco na universalização. Também ressalto que a Copasa mudou sua política de atuação para supostos lucros e eficiência e não no atendimento a população de forma plena. Como se sabe o resultado do saneamento eficiente é na saúde pública.

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