A Polícia Federal (PF) indicou, em seu relatório final, uma ligação direta entre os envolvidos na tentativa de golpe de Estado em 2022 e o esquema conhecido como “Abin paralela”. O documento resultou no indiciamento de Jair Bolsonaro (PL) e outros 36 aliados, apontando a estrutura organizada de núcleos para a execução das ações golpistas.

A “Abin paralela” é alvo da Operação Última Milha, que investiga o desvio de funções na Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Quatro dos indiciados pelo esquema golpista também aparecem como suspeitos nesse caso: o ex-diretor da Abin e deputado Alexandre Ramagem (PL); o general da reserva Augusto Heleno, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI); o policial federal Marcelo Bormevet; e o subtenente do Exército Giancarlo Gomes Rodrigues.

De acordo com a PF, os envolvidos se organizaram em núcleos distintos, o que permitiu individualizar as condutas criminosas. Além do núcleo de inteligência paralela, foram identificados outros cinco: desinformação e ataques ao sistema eleitoral, incitação de militares ao golpe, jurídico, operacional de apoio às ações golpistas e operacional para cumprimento de medidas coercitivas.

Entre os 37 indiciados, 25 são militares. Eles são acusados de crimes como abolição violenta do Estado democrático de direito, golpe de Estado e organização criminosa. O indiciamento de Ramagem, que comandava a Abin paralela, é fundamentado em indícios de participação ativa nos preparativos para a tentativa de golpe. Em mensagens interceptadas, Ramagem teria feito declarações contrárias à lisura do processo eleitoral e favoráveis à ruptura institucional.

Trocas de mensagens entre Bormevet e Giancarlo Rodrigues, datadas do final de 2022, revelaram discussões sobre um suposto “decreto de intervenção” para promover um rompimento democrático. Em uma conversa, Bormevet pergunta: “O nosso PR imbrochável já assinou a porra do decreto?” Giancarlo responde: “Assinou nada. Tá foda essa espera.” Ambos negaram envolvimento direto no plano durante depoimentos à PF.

Além das mensagens, a PF encontrou e-mails de Ramagem contendo argumentos para contestar a confiabilidade das urnas eletrônicas e documentos que sugeriam perseguição a procuradores da República críticos ao governo Bolsonaro. Os dados foram compartilhados com outros inquéritos em andamento, incluindo os das fake news e da tentativa de golpe.

Nesta quinta-feira, a PF encerrou as investigações sobre a tentativa de golpe e concluiu que Bolsonaro desempenhou papel ativo na trama para impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A Procuradoria-Geral da República (PGR) agora avaliará os indícios apresentados pela PF para decidir se apresentará denúncia formal contra o ex-presidente. Caso a denúncia seja aceita, Bolsonaro poderá se tornar réu.

Bolsonaro, já inelegível até 2030 por decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) devido a ataques e mentiras sobre o sistema eleitoral, enfrenta outros dois indiciamentos: o caso das joias e a falsificação de certificados de vacinação contra a Covid-19.

A conexão entre a “Abin paralela” e a tentativa de golpe amplia as suspeitas de uso indevido de estruturas do governo para fins ilegais. Além de Ramagem, a investigação identificou desvios graves na atuação de Bormevet e Giancarlo Rodrigues, que teriam utilizado a Abin para fins pessoais e políticos, desviando-se completamente da finalidade institucional da agência.

Esses desdobramentos colocam Bolsonaro e seus aliados em uma situação ainda mais delicada, com a possibilidade de novas denúncias e processos judiciais.

 

Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil