A Polícia Federal (PF), por meio da Operação Contragolpe, revelou nesta terça-feira (19) uma rede composta por 35 militares, incluindo 10 generais, 16 coronéis e um almirante, envolvidos direta ou indiretamente em um plano para assassinar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). A investigação aponta que os militares não apenas trocaram informações sobre a conspiração, mas também tinham planos detalhados para “pacificar” o país após uma ruptura institucional.
O alvo central da operação foi o general Mário Fernandes, ex-secretário-executivo do governo Jair Bolsonaro. Em mensagens obtidas de seu celular, Fernandes e outros militares manifestaram insatisfação com o Alto Comando do Exército por sua resistência em apoiar ações golpistas, chegando a propor alterações na estrutura militar para limitar o poder da cúpula. “O Alto Comando do Exército tem que acabar”, escreveu Fernandes em uma mensagem. Além disso, a PF encontrou documentos intitulados “punhal verde-amarelo”, que detalhavam estratégias como o envenenamento de Lula e o uso de bombas contra Moraes.
A investigação identificou que a rede golpista se dividia em três núcleos principais: os que abertamente discutiam o golpe, os cotados para integrar um hipotético Gabinete Institucional de Gestão da Crise, e um núcleo de oficiais de alta patente com influência política e militar.
Entre os documentos apreendidos estava uma minuta que previa a criação de um gabinete de crise, com nomes como os generais Augusto Heleno e Walter Braga Netto em posições-chave. O grupo teria a missão de “estabelecer diretrizes estratégicas e gerenciar a crise institucional”, em referência ao golpe de Estado. A PF suspeita que essa minuta tenha sido impressa no Palácio do Planalto, reforçando o envolvimento direto do governo Bolsonaro.
Outro documento, denominado “Operação Copa 2022”, detalhava planos para prender e executar Moraes. Essa operação chegou a ser iniciada em 15 de dezembro de 2022, mas foi abortada. Entre os itens relacionados, havia uma planilha com mais de 200 linhas descrevendo o passo a passo do golpe.
As mensagens trocadas entre os militares revelaram um ambiente de insatisfação e frustração entre os oficiais, muitos dos quais criticavam a demora em agir. Um exemplo disso foi a conversa entre o coronel Roberto Criscuoli e o general Mário Fernandes. Criscuoli argumentava que a situação deveria ser resolvida imediatamente para evitar uma “guerra civil” mais grave no futuro. “Não tem mais quatro linhas. O povo na rua está pedindo. Vai dar guerra civil? Vai. Mas nós estamos esperando o quê?”, escreveu Criscuoli, em alusão à necessidade de romper com os limites constitucionais.
Outro participante das conversas, Reginaldo Vieira de Abreu, demonstrou impaciência com a falta de ação. “Quatro linhas da Constituição é o cacete. Estamos em guerra”, escreveu ele. Reginaldo também pressionava por reuniões privadas com Bolsonaro e outros integrantes do governo para acelerar o processo.
A investigação apontou que membros do alto escalão das Forças Armadas estavam cientes do plano e, em alguns casos, davam suporte direto ou indireto. Entre os citados está o almirante Almir Garnier Santos, que, segundo a PF, teria colocado tropas à disposição de Bolsonaro para viabilizar o golpe. Além dele, o general Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa e candidato a vice-presidente na chapa de Bolsonaro, foi apontado como coordenador de reuniões em que as estratégias golpistas foram discutidas.
Um dos pontos mais graves da investigação foi a confirmação de que o general Mário Fernandes havia dialogado diretamente com Bolsonaro em várias ocasiões sobre o plano. Em uma mensagem de áudio enviada ao então presidente, Fernandes pediu que Bolsonaro assistisse a um vídeo durante uma reunião estratégica. “Isso é história. A história é marcada por momentos como este que estamos vivendo agora”, disse ele.
A Operação Contragolpe resultou na prisão de cinco militares, incluindo o general Fernandes, o major Rafael de Oliveira e o tenente-coronel Hélio Ferreira Lima. As ações revelaram não apenas a amplitude do plano, mas também a profundidade do envolvimento de figuras-chave do governo Bolsonaro e das Forças Armadas.
Os investigadores apontaram que o general Mário Fernandes tinha acesso direto a aliados de Bolsonaro, como o então ministro da Justiça Anderson Torres, e que discutia estratégias de comunicação e ações para desacreditar as eleições e o sistema eletrônico de votação.
Além disso, mensagens trocadas entre os envolvidos mostram uma preocupação crescente com o avanço das investigações. Em uma conversa registrada em setembro de 2023, o major Rafael de Oliveira expressou sua preocupação com a possibilidade de ser alvo da Operação Lesa Pátria, que investigava os atos golpistas de 8 de janeiro. “Estamos no alvo”, escreveu Oliveira a um coronel.
As revelações da Operação Contragolpe expõem um cenário alarmante de conspiração dentro das Forças Armadas e do governo Bolsonaro. O envolvimento de 35 militares de alta patente, incluindo generais e coronéis, em um plano para assassinar lideranças políticas e realizar um golpe de Estado, representa uma grave ameaça à democracia brasileira. A PF segue aprofundando as investigações, e novos desdobramentos são esperados, especialmente em relação ao papel de Bolsonaro e de outros integrantes de seu governo.
A operação não apenas desmantelou o núcleo golpista, mas também deixou claro que ainda existem tensões profundas entre setores das Forças Armadas e as instituições democráticas. O caso serve como um alerta para a necessidade de fortalecer os mecanismos de controle e de responsabilização em todos os níveis do poder, para evitar que ameaças similares voltem a surgir no futuro.
Foto: Marcos Corrêa/PR