O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), retirou o sigilo do inquérito conduzido nas Operações Tempus Veritatis e Contragolpe, que investigam a tentativa de golpe de Estado durante o governo de Jair Bolsonaro. O relatório, com mais de 800 páginas, foi encaminhado nesta terça-feira (26) à Procuradoria-Geral da República (PGR). A Polícia Federal (PF) indiciou o ex-presidente Bolsonaro e outros 36 investigados, incluindo aliados políticos e militares de alta patente, por crimes de organização criminosa, tentativa de golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito.

O documento apresenta evidências robustas sobre a participação dos acusados em um plano para desestabilizar o sistema democrático. A investigação detalha ações que incluíam a disseminação de desinformação sobre as eleições de 2022, incitação de militares, elaboração de decretos ilegais, planejamento logístico para manifestações golpistas e monitoramento de autoridades, como o presidente Lula, o vice-presidente Geraldo Alckmin e o próprio Moraes.

Segundo o ministro do STF, o sigilo deixou de ser necessário após a conclusão das investigações. Moraes destacou que, apesar de o segredo ser inicialmente fundamental para o cumprimento de diligências, a entrega do relatório final elimina a necessidade de restrição de publicidade. Ele também determinou o acesso ao inquérito para as defesas de investigados que solicitaram o material, incluindo Jair Bolsonaro, Walter Braga Netto e Augusto Heleno.

O relatório da PF organiza os envolvidos em seis núcleos operacionais, detalhando as funções e ações de cada grupo. Uma nova subdivisão, o “Núcleo Operacional para Cumprimento de Medidas Coercitivas”, foi identificada ao longo das investigações, complementando os esquemas revelados em fevereiro de 2024. Os núcleos principais incluem:

Núcleo de desinformação e ataques ao sistema eleitoral

Este grupo foi responsável pela produção e amplificação de notícias falsas sobre as eleições, com o objetivo de criar desconfiança e mobilizar apoiadores para manifestações em frente a quartéis.

Integrantes: Mauro Cid, Anderson Torres, Fernando Cerimedo, entre outros.

Núcleo responsável por incitar militares ao golpe

Atuou promovendo ataques a militares contrários ao golpe, buscando mobilizar oficiais favoráveis à ruptura democrática.

Integrantes: Braga Netto, Paulo Figueiredo Filho, Bernardo Correa Neto, entre outros.

Núcleo jurídico

Encarregado de elaborar decretos e pareceres legais que justificassem o golpe sob a ótica jurídica.

Integrantes: Filipe Martins, Amauri Saad, Anderson Torres e Mauro Cid.

Núcleo operacional de apoio às ações golpistas

Coordenou a logística das manifestações, incluindo mobilização e financiamento de grupos em Brasília.

Integrantes: Sérgio Medeiros, Hélio Ferreira Lima, Alex Rodrigues, entre outros.

Núcleo de inteligência paralela

Realizou monitoramento de autoridades para planejar ações coercitivas, incluindo captura e detenção de figuras como Alexandre de Moraes.

Integrantes: Augusto Heleno, Marcelo Câmara e Mauro Cid.

Núcleo de oficiais de alta patente

Utilizou o prestígio hierárquico para influenciar e apoiar as ações dos demais núcleos, promovendo adesão dentro das Forças Armadas.

Integrantes: Braga Netto, Mario Fernandes, Almir Garnier Santos, entre outros.

Plano golpista e monitoramento de autoridades

Entre as ações planejadas, o relatório detalha o monitoramento de autoridades de alto escalão, com foco no itinerário de Moraes e outras figuras-chave, para viabilizar a prisão dessas lideranças após a decretação do golpe. Além disso, a PF identificou reuniões que envolviam militares e auxiliares diretos do ex-presidente, nos quais eram traçadas estratégias para sustentar manifestações nos quartéis e pressionar as instituições democráticas.

A investigação também trouxe à tona o papel de militares de alta patente, que usaram sua posição de influência para legitimar o movimento golpista. Oficiais da ativa e da reserva estiveram diretamente envolvidos na articulação de ações que poderiam culminar na ruptura democrática.

Ao enviar o relatório à PGR, Moraes destacou que a Constituição garante ao Ministério Público o monopólio da ação penal. A PGR, portanto, deverá decidir se apresenta denúncia contra os investigados, incluindo Bolsonaro. Caso haja denúncia, o STF avaliará sua admissibilidade, dando início ao processo judicial.

A retirada do sigilo e a publicidade das investigações fortalecem o controle social sobre o caso, evidenciando a gravidade dos crimes investigados. O detalhamento dos núcleos e o rastreamento de ações financeiras, logísticas e políticas reforçam a robustez do inquérito.

O indiciamento de Bolsonaro e de figuras centrais de seu governo intensifica o desgaste político do ex-presidente e de seus aliados, que já enfrentam uma série de outras investigações relacionadas a irregularidades durante a gestão. O caso também aprofunda o debate sobre o papel de militares na política, evidenciando a necessidade de reformas estruturais que garantam a independência das instituições democráticas.

Por outro lado, o caso se torna um divisor de águas no combate a tentativas de desestabilização democrática no Brasil, estabelecendo precedentes para futuras investigações de ações semelhantes. O foco em rastreabilidade e estruturação das ações golpistas permite identificar vulnerabilidades e aprimorar o sistema de prevenção e combate a ameaças contra o Estado Democrático de Direito.

Com a decisão final agora nas mãos da PGR, a expectativa recai sobre os desdobramentos que podem determinar o futuro político e jurídico dos envolvidos. O caso se configura como um dos maiores desafios enfrentados pelas instituições brasileiras desde a redemocratização.

Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado

 

 


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