O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu por unanimidade invalidar uma lei do município de Uberlândia, em Minas Gerais, que impedia a vacinação obrigatória contra a Covid-19 e proibia a aplicação de sanções para quem não se vacinasse. A norma, criada em 2022, já havia sido suspensa por uma liminar em 2023, mas agora a análise de mérito confirmou sua inconstitucionalidade.

Os ministros da Corte acompanharam o voto do presidente do STF, Luís Roberto Barroso, que destacou que questões de proteção à saúde pública devem seguir os princípios de prevenção e cautela. Segundo Barroso, “sempre que haja dúvida sobre eventuais efeitos danosos de uma providência, deve-se adotar a medida mais conservadora necessária a evitar o dano”. Ele argumentou que a norma questionada desconsidera o consenso médico-científico sobre a eficácia das vacinas na contenção da pandemia e no fortalecimento da imunidade da população.

A decisão de Barroso foi apoiada por outros ministros, entre eles Flávio Dino, que aproveitou o voto para criticar a visão de liberdade individual como um conceito absoluto, afirmando que essa interpretação distorcida tem sido usada como argumento para práticas irresponsáveis que colocam a coletividade em risco. Dino afirmou: “Nós estamos no Supremo Tribunal Federal do Brasil, um dos mais importantes do mundo, e estamos discutindo a tese esdrúxula e absurda de que uma pessoa tem o direito fundamental de transmitir doenças às outras pessoas”. Ele também ironizou essa visão, dizendo que ela “certamente deve ser de um planeta plano” e parecia uma ideia vinda de Marte, aludindo a ideias simplistas que ignoram as responsabilidades sociais.

Outro ponto abordado durante o julgamento foi levantado pelo ministro Nunes Marques, que divergiu em parte ao avaliar que houve perda de objeto no processo, considerando a melhora da situação da Covid-19 no cenário global. Ele argumentou que, embora as vacinas sejam importantes, é fundamental respeitar as “liberdades individuais”, sobretudo agora que os impactos da pandemia diminuíram. Para ele, “com o arrefecimento dos efeitos da pandemia, os motivos da cautelar já não estão mais presentes. No atual momento, a exigência do comprovante de vacinação pode ser reavaliada por autoridades administrativas, desde que fundada em critérios científicos”.

A lei municipal havia sido aprovada com o objetivo de impedir a vacinação compulsória contra a Covid-19 em Uberlândia e de proibir sanções para quem optasse por não se vacinar. Entretanto, a norma foi contestada pelo partido Rede Sustentabilidade, que argumentou que a lei violava diversos princípios constitucionais, entre eles o direito à vida e à saúde, a proteção das crianças, adolescentes e idosos.

O julgamento começou em 2023 no plenário virtual, mas foi transferido para o plenário físico após um pedido de destaque do ministro Nunes Marques. Antes da interrupção, os ministros Cármen Lúcia e Alexandre de Moraes já haviam votado favoravelmente à posição de Barroso.

Barroso, relator do caso, destacou que a contestação da Rede está de acordo com o entendimento do STF, que reconhece a legitimidade da vacinação compulsória por meio de medidas indiretas, como restrição de atividades ou de acesso a espaços públicos, desde que sem imposição de vacinação forçada. Para ele, a lei de Uberlândia contraria esse posicionamento ao ignorar os princípios da cautela e da precaução e desconsiderar o consenso científico sobre a importância da vacinação para conter a propagação do vírus e fortalecer a imunidade da população.

O ministro ainda reforçou que, ao tentar proteger a liberdade dos que escolhem não se vacinar, a lei coloca em risco a saúde coletiva, o que é particularmente grave em uma situação de emergência sanitária global. “A norma, ao argumento de proteger a liberdade daqueles que decidem não se vacinar, coloca em risco a proteção da saúde coletiva”, afirmou Barroso.

Além disso, ele destacou que a lei municipal se opõe a uma lei federal que permite a determinação de vacinação obrigatória contra a Covid-19, sem que haja qualquer justificativa local que legitime uma abordagem diferente. De acordo com dados apresentados no processo, Uberlândia contava, em janeiro deste ano, com cerca de 30 mil pessoas não vacinadas e outras 50 mil que estavam com a dose de reforço atrasada, o que reforça a importância de políticas que incentivem a imunização.

A decisão do STF reafirma a posição da Corte em favor de medidas de saúde pública baseadas na ciência e no princípio da precaução, visando a proteção coletiva em detrimento de interpretações de liberdade individual que comprometam a segurança da população. A análise do mérito marca um posicionamento claro da Suprema Corte contra normas locais que desconsiderem diretrizes federais de saúde e recomendações científicas para o enfrentamento de crises sanitárias.

Com a decisão, o STF reforça que o combate a pandemias deve ser conduzido com base em orientações técnico-científicas, limitando intervenções de cunho político que enfraqueçam a proteção coletiva.

 

 

Foto: Gustavo Moreno/STF

 


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