Diante do desafio de refletirem sobre a relação entre democracia e saúde mental, pesquisadores e pesquisadoras da UFMG formulam respostas que problematizam.

“O estado democrático reproduz de forma derivada o cuidado hospitaleiro que os adultos têm com o bebê. Mas ao endereçamos para os adultos um ideal de eu inalcançável, condenamos ao sofrimento e à miséria. A sociedade endereça ideais do eu, que se tornam modelos tirânicos, sádicos que torturam a vida inteira as pessoas dos grupos não hegemônicos, impedindo qualquer possibilidade de felicidade”, afirma o psicanalista e professor da Universidade Fábio Belo.

“Os 35 anos da Constituição representam coisas contraditórias, como é a nossa sociedade. Temos um catálogo de direitos, mas vivemos em uma sociedade profundamente marcada por desigualdades”, frisa a professora da Faculdade de Direito da UFMG e coordenadora da Escola de Formação em Direitos Humanos do Programa Polos de Cidadania da Universidade, Marcella Gomes.

“O advento da era digital traz um agravamento da polarização política, em especial, devido à transformação da vida social em uma linguagem de plataforma e algoritmos, que leva à divulgação de informações que agravam a polarização e tem efeitos nefastos para a saúde mental, afetando as relações e alterando o processo eleitoral”, explica o professor Emílio Peluso, um dos coordenadores do grupo Constituições – Centro de Constitucionalismo e Comparativismo da UFMG.

Essas reflexões são extraídas do radiodocumentário Constituição cidadã – 35 anos: democracia e saúde mental em xeque, a primeira produção especial de 2024 da rádio UFMG Educativa. Idealizada e executada pelo jornalista Ruleandson do Carmo, ela aborda, em especial, dois fatos históricos do ano de 2023: os 35 anos da Constituição Federal de 1988 e os ataques golpistas às sedes dos três poderes em Brasília.

Neste Janeiro Branco, mês de conscientização sobre a saúde mental, a produção aborda como a democracia e o acesso aos direitos universais garantidos pela Constituição são essenciais para a saúde mental das pessoas, principalmente daquelas pertencentes a grupos marginalizados, como negros, mulheres, pessoas com deficiências, pessoas obesas, pessoas idosas, pessoas pertencentes à população LGBTQIAPN+ (não heterossexuais e/ou não cisgênero) e demais minorias sociais ou grupos não hegemônicos.

Com a voz, o povo

No Brasil, falar em democracia é uma necessidade social. Afinal, trata-se de um país com uma história ancorada na escravidão e no extermínio negro e indígena, que há menos de 40 anos vivia uma ditadura militar, que há apenas 35 anos passou a conta com uma instituição preocupada com direitos e que há exatamente um ano enfrentou um ataque golpista às sedes dos três poderes.

Termo de origem grega, democracia significa poder soberano do povo. A historiadora Heloísa Starling afirma que, do conceito, nasce um dos primeiros problemas práticos da democracia: definir quem pode ser considerado povo para efeito do poder democrático. A Constituição Federal brasileira de 1988 torna todas as pessoas iguais em direitos e em deveres, defendendo uma sociedade sem preconceitos.

Entrevistados pelo radiodocumentário, integrantes da sociedade civil definiram como entendem o conceito de democracia. Para o indígena gay e estudante de Ciências Sociais na Universidade de Brasília Danilo Tupinikim, democracia é participação. Para a mulher trans, autista e mestra em Comunicação Social pela UFMG Sophia Mendonça, democracia é visão humanista.

Para o cego e técnico-administrativo em educação na UFMG Herivelton Ferraz, democracia é algo ainda não conquistado no Brasil. Para a idosa, aposentada e ativista social Egídia de Almeida, democracia é pluralidade. Para o indígena, estudante de Antropologia Social na Fafich e ativista das constituintes, Eni Carajá Filho, democracia é governar para quem precisa. Para o homem preto, pessoa com deficiência e estudante de jornalismo na UFMG João Ventura, democracia é garantia de direitos.

Tribunais superiores

A democracia se efetiva por meio da escolha popular materializada no voto. Por isso, o Tribunal Superior Eleitoral é essencial à democracia brasileira. O professor da Faculdade de Direito da UFMG e um dos coordenadores do grupo Constituições – Centro de Constitucionalismo e Comparativismo, Emílio Peluso, analisa o papel dos tribunais superiores para a garantia da democracia.

Peluso acredita que a saúde mental das pessoas também tem sido abalada no Brasil por causa da polarização política e da desinformação difundida nas redes sociais. Muitas das mentiras propagadas em redes sociais pregam o ódio a minorias sociais e aumentam o preconceito e a discriminação. Para mudar a realidade social, ele defende, as garantias básicas determinadas pela Constituição Federal são âncoras para a democracia efetiva.

Direitos interdependentes

O direito à saúde é garantido pela Constituição cidadã. Para a Organização Mundial de Saúde (OMS), a saúde mental é fundamental. Mas como obtê-la com direitos ameaçados? É o que tentam descobrir as minorias sociais na prática, para além do que as palavras da Constituição garantem.

O psicanalista Fábio Bello comenta como a ausência de direitos pode afetar a saúde mental. Segundo o especialista, os direitos constitucionais básicos são essenciais para as pessoas conseguirem atuar de forma efetiva na sociedade, contribuir com o pensamento social e terem qualquer possibilidade de vida digna e saudável.

A professora Marcella Gomes pondera que os direitos humanos e constitucionais são interdependentes. Por isso, o Estado precisa garantir o acesso a todos eles para que as pessoas consigam conquistar saúde física e mental. Ela pondera, ainda, que a sociedade brasileira ainda tem muitos avanços e mudanças a realizar, pois as desigualdades sociais ainda são profundas e condenam a maioria da população a uma vida distante dos ideais da Constituição.

O texto de abertura da Constituição de 1988 determina: “a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias”.

A realidade do país parece distante do texto constitucional. Racismo, LGBT+fobia, feminicídio, machismo e capacitismo são algumas das pedras no sapato de uma nação que ainda caminha rumo a uma democracia concreta.

Ficha técnica

Produção e reportagem: Ruleandson do Carmo
Edição de texto: Alessandra Dantas
Edição e sonoplastia: Breno Rodrigues
Programação musical: Guilherme Amintas
Coordenação institucional da Rádio UFMG Educativa: Eduardo de Jesus
Supervisão geral de produção e conteúdo: Luiza Glória


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