Ângela Carrato – Jornalista. Professora da UFMG. Membro do Conselho Deliberativo da ABI
A mídia corporativa brasileira, sempre a postos quando se trata de apoiar e fazer o jogo dos setores conservadores, não tem poupado papel, tempo e palavras para sentenciar que a esquerda foi a grande derrotada nas eleições municipais.
Pouco se tem falado sobre os dois grandes perdedores neste processo: o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo).
Bolsonaro apostou suas últimas fichas na vitória do candidato de seu partido Bruno Engler, para a Prefeitura de Belo Horizonte, uma vez que já tinha perdido a Prefeitura do Rio de Janeiro e, em São Paulo, o governador extremista de direita, Tarcísio de Freitas, não deixa espaço para ele junto a Ricardo Nunes, que disputou a reeleição.
Inelegível por oito anos, Bolsonaro acreditava que vitórias significativas de seus aliados teriam o poder de alavancar a campanha pela anistia aos golpistas do 8 de janeiro e, sobretudo, anular a sua inelegibilidade. Não por acaso alguns de seus amigos e familiares volta e meia dão entrevistas garantindo que ele participará das eleições presidenciais de 2026.
A derrota de Engler para o prefeito Fuad Nomam (PSD), que disputava a reeleição, enterrou o sonho de Bolsonaro.
Pior ainda. Nas próximas semanas ele finalmente deverá ser indiciado e será julgado pelos diversos crimes que cometeu.
Por que a mídia corporativa não fala sobre isso?
Há quem diga que ela está satisfeita com a vitória da direita tradicional e que nunca apoiou Bolsonaro.
Não é verdade.
A mídia tradicional, que esteve na linha de frente do golpe contra Dilma Rousseff, em 2016, e da prisão, sem crime, de Lula, em 2018, foi fundamental para a vitória de Bolsonaro na disputa pela presidência da República. E, por pouco, não o reelege.
Claro que ela preferiria alguém menos tosco, que soubesse comer com garfo e faca, mas como os “limpinhos e cheirosos” se mostraram inviáveis do ponto de vista eleitoral, não pestanejou.
Foi de Bolsonaro e irá com ele outra vez, se julgar necessário.
Extrema-direita, neoliberalismo e fascismo são velhos companheiros de viagem.
Além de Bolsonaro, Zema é outra carta fora do baralho a partir do resultado dessas eleições, duplamente perdidas por ele. Foi derrotado com seu então candidato, Mauro Tramonte (Republicanos), sequer passando para o segundo turno, e ao perder, no segundo turno, com Bruno Engler.
Dado ao desgaste de Zema com o funcionalismo público, tanto Tramonte quanto Engler fizeram de tudo para esconder o seu apoio. A saída de Zema foi fazer campanha para alguns candidatos de seu partido no interior, desaparecendo de Belo Horizonte.
Para quem sonhava em se cacifar como candidato às eleições presidenciais de 2026, o resultado não poderia ser pior. Tentando conter dissidências e debandada dentro do Novo, Zema indicou o vice-governador, Mateus Simões como candidato à sua sucessão, e disse estar disposto a “ajudar” na eleição presidencial.
Zema deve enfrentar, nos próximos dois anos, uma situação bastante complicada na Assembleia Legislativa, onde sempre dependeu do voto de agremiações como o PL e o PSD para viabilizar projetos de seu interesse. O PL vai cobrar caro por novos apoios, enquanto o PSD, de Fuad, deve optar por uma linha independente e crítica.
Dito de outra forma, Zema não ganhou nada e ainda perdeu muito. A parceria que teve com a PBH deve ser substituída pelo espaço de setores progressistas junto a Fuad. Até porque setores do PT, já no primeiro turno, defenderam e batalharam pelo voto útil, para barrar o avanço da extrema-direita.
Deu certo.
Das três capitais que formam o “triângulo das Bermudas” na política brasileira, a extrema-direita perdeu em duas, Belo Horizonte e Rio de Janeiro.
O principal exemplo de a mídia corporativa tem se valido para falar em derrota da esquerda é a do candidato Guilherme Boulos, do PSOL, tendo como vice Marta Suplicy, do PT, em São Paulo.
Sem dúvida foi uma derrota dos setores de esquerda, mas a vitória está longe de poder ser atribuída apenas ao truculento e extremista de direita que governa São Paulo, Tarcísio de Freitas.
Contra Boulos e Marta se uniram a turma do mercado financeiro e da especulação imobiliária, igrejas neopentecostais e setores conservadores da Igreja Católica e, claro, a própria mídia que, há mais de uma década, criminaliza a luta dos integrantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST).
A atuação, de última hora, de Tarcísio de Freitas contra Boulos vem apenas confirmar a série de armações que o candidato do PSOL foi vítima nesta campanha. Sem qualquer prova, Tarcísio declarou, no dia da eleição, ao lado de seu candidato, o prefeito Ricardo Nunes, que a facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) orientou familiares a votarem em Boulos.
A armação lembrou outras nesta linha contra o PT ao longo da história, que tentaram associar Lula e Dilma a pessoas ligadas a corruptos ou a criminosos. Quem se lembra das capas da revista Veja ou de edições do Jornal Nacional na véspera das eleições presidenciais?
Boulos não só negou a acusação como ingressou com uma ação de investigação na Justiça Eleitoral por abuso de poder político na fala de Tarcísio.
A investigação pode ter como consequência a perda de mandato por parte de Tarcísio. Razão pela qual a mídia corporativa está fazendo de tudo para minimizar o episódio, desaparecendo com ele das manchetes.
Resta saber se a Justiça Eleitoral estará disposta efetivamente a agir ou fará cara de paisagem como em vezes anteriores. Se decidir por levar a cabo a ação, a vitória de Nunes pode ter gosto dos mais amargos para Tarcísio.
Como não há relação automática entre resultados de eleições municipais e a disputa para a presidência da República, tem muita água para rolar nos próximos dois anos.
Mas as únicas certezas são Bolsonaro e Zema lideraram as derrotas. Dupla à qual pode vir a se somar Tarcísio de Freitas.