O mais recente indiciamento de Jair Bolsonaro (PL) pela Polícia Federal, desta vez por tentativa de golpe de Estado, expôs as fissuras entre o ex-presidente e sua base de apoio no Congresso. A reação de seus aliados foi marcada por manifestações protocolares e crescentes críticas de parlamentares, que apontam uma insatisfação generalizada com a falta de reciprocidade de Bolsonaro. A insatisfação também se estende às estratégias eleitorais do ex-presidente, que têm privilegiado alianças com políticos do Centrão em detrimento de “bolsonaristas raiz”.

Entre os 93 deputados do PL, apenas 25% manifestaram apoio explícito ao ex-presidente no X (antigo Twitter) após o indiciamento, enquanto no Instagram o número foi de 46%. Mesmo assim, boa parte das declarações foi considerada genérica, sem menção direta ao líder do partido. Para alguns parlamentares, as manifestações foram apenas “para fingir que se importam”, revelando o descontentamento que permeia a bancada.

Segundo materia do Guilherme Caetano publicada neste domingo no Estadão, parlamentares ouvidos em anonimato destacaram que Bolsonaro tem falhado em retribuir a lealdade demonstrada durante seu governo e após deixar o cargo. Um deputado afirmou que metade da ala bolsonarista do partido estaria disposta a romper com ele caso surja uma liderança forte o suficiente para enfrentar o PT em 2026. Entre os nomes cogitados para ocupar esse espaço estão os governadores Ronaldo Caiado (União Brasil, Goiás) e Romeu Zema (Novo, Minas Gerais), que poderiam formar uma chapa competitiva na próxima eleição presidencial.

A insatisfação não se limita à defesa do ex-presidente em momentos críticos. A articulação política de Bolsonaro para as eleições municipais também gerou atritos. Em São Paulo, seu apoio ao prefeito Ricardo Nunes (MDB), em detrimento de Pablo Marçal (PRTB), desagradou a militância. Em Curitiba, a mudança de última hora para apoiar Cristina Graeml (PMB) deixou insatisfeitos aliados que esperavam a manutenção do apoio à chapa de Eduardo Pimentel (PSD).

Além disso, deputados do PL reclamaram da falta de protagonismo de Bolsonaro na defesa de aliados investigados pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O caso de Daniel Silveira, preso desde fevereiro de 2023 após ameaçar ministros do STF, é apontado como emblemático. Parlamentares lembram que, enquanto defenderam Bolsonaro publicamente em investigações, não sentiram a mesma disposição por parte do ex-presidente.

O cerco judicial a Bolsonaro e seus aliados tem se intensificado desde os ataques de 8 de janeiro. Três episódios foram cruciais para os indiciamentos recentes: a tentativa de golpe de Estado, a falsificação do cartão de vacina e o caso das joias sauditas. Essas investigações têm colocado aliados do ex-presidente na defensiva, enquanto ele mantém um discurso de perseguição política.

Entre os parlamentares bolsonaristas investigados pelo STF estão nomes como Bia Kicis (DF), Carla Zambelli (SP), Carlos Jordy (RJ) e Alexandre Ramagem (RJ). Após os atos de 8 de janeiro, 1.424 pessoas foram detidas, com 284 já condenadas pelo STF. Apesar de esforços do PL para aprovar uma anistia aos condenados, a atuação de Bolsonaro no caso gerou descontentamento. Um acordo entre o ex-presidente, Arthur Lira (PP-AL) e Valdemar Costa Neto resultou no atraso da tramitação do projeto na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), liderada por Caroline de Toni (PL-SC), desagradando a bancada.

Com Bolsonaro inelegível, os debates sobre possíveis substitutos em 2026 têm ganhado força. Enquanto o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), demonstrou apoio ao ex-presidente após o indiciamento, outros potenciais candidatos, como Caiado e Zema, adotaram cautela. Caiado afirmou que aguardaria o fim das investigações para se posicionar, enquanto Zema evitou declarações públicas.

Parlamentares bolsonaristas veem a aproximação de Bolsonaro com figuras do Centrão como um afastamento dos ideais que o elegeram em 2018. Em cidades como Guarulhos, Taubaté e Americana, alianças consideradas “fisiológicas” geraram resistência dentro da base ideológica. Esses episódios reforçam a percepção de que a liderança do ex-presidente está fragilizada, com um número crescente de deputados considerando outras alternativas para o futuro da direita no Brasil.

A defesa de Bolsonaro no caso da tentativa de golpe de Estado ficou a cargo de seu advogado, Paulo Amador da Cunha Bueno, que afirmou esperar o acesso ao relatório final da Polícia Federal para comentar o caso de forma detalhada. Bolsonaro, por sua vez, limitou-se a dizer que a “luta começa na Procuradoria-Geral da República” e criticou o que chamou de “criatividade” das investigações.

A resposta morna de aliados ao terceiro indiciamento do ex-presidente reflete o desgaste político enfrentado por Bolsonaro. Embora sua liderança ainda seja significativa dentro do PL, a insatisfação crescente entre deputados e senadores pode abrir caminho para o surgimento de novas lideranças na direita brasileira.

O cenário atual aponta para um enfraquecimento da base de apoio de Bolsonaro, com divisões internas e um desgaste em sua relação com aliados mais ideológicos. Caso não consiga reverter sua inelegibilidade, o ex-presidente enfrentará dificuldades para manter sua influência no cenário político. Enquanto isso, figuras como Caiado e Zema podem se consolidar como alternativas viáveis para liderar a direita em 2026.

A insatisfação da bancada, somada às críticas à articulação política de Bolsonaro, reflete um momento de transição dentro do campo conservador. O futuro do ex-presidente depende não apenas de suas estratégias judiciais, mas também de sua capacidade de recuperar a confiança de seus aliados e redefinir seu papel na política brasileira.

Foto: Hugo Barreto