Rodrigo James estava numa famosa loja de discos em São Francisco, nos Estados Unidos, quando se deparou com o álbum duplo “Clube da Esquina” numa das prateleiras. Junto com ele estava um texto crítico, escrito por um dos funcionários, que descreveu o trabalho como “um dos mais importantes já feitos pela humanidade”.

Para o jornalista e crítico musical, o elogio farto vindo de um estrangeiro, tempos depois do lançamento do disco que deu o pontapé ao movimento capitaneado por Milton Nascimento, Lô Borges, Márcio Borges e tantos outros nomes, sintetiza a maior qualidade de “Clube da Esquina”: o som atemporal.

“É inacreditável que um disco com essa qualidade tenha sido feito em 1972. Ele poderia ter sido feito hoje”, registra James, autor do livro “Coração Americano – Bastidores do Álbum Clube da Esquina”, organizado por Andréia Estanislau. O álbum foi lançado em março daquele ano e imprimiu o DNA da música mineira.

“‘Clube da Esquina’ significou o marco zero da música made in Minas Gerais. Ela passou a ter uma cara, criando uma espécie de gênero. Você pode escutar o disco e identificar influências de Beatles, jazz e estilos afros, mas essa mistura gerou algo realmente novo, com um temperinho bem Minas Gerais”, destaca o crítico.

James lembra que cada participante do disco – uma longa lista que inclui ainda Fernando Brant, Beto Guedes, Toninho Horta, Gustavito, Ronaldo Bastos e Wagner Tiso – tinha uma formação, e esse ecletismo deu o tom da produção, calcada numa liberdade absoluta, sem qualquer noção de que, daquele encontro, sairia algo tão icônico.

“Esse tipo de liberdade, dentro do estúdio, normalmente tende a dar errado. É muito incrível que tenha dado tão certo justamente por não ter nenhuma amarra. Não havia qualquer cobrança e tudo ocorreu de forma tranquila, sem nenhum conflito. Ninguém esperava que fosse ser uma obra imortal 50 anos depois”, assinala.

Sucesso

A “ficha só foi cair” quando Ronaldo Bastos – o mais próximo que o disco teve de um produtor executivo – caminhou por alguns quarteirões no Rio de Janeiro, logo após o lançamento nas lojas, e ouviu as faixas sendo tocadas dentro das casas. “Vai pegar!”, concluiu Bastos. Um sucesso de crítica que viajou mundo afora.

“As pessoas que ouviam, endeusavam. Muita gente passou a conhecer o Milton (que já tinha lançado quatro LPs) lá fora a partir desse disco. A vendagem não foi um sucesso, mas isso já era esperado. Na época, as gravadoras tinham artistas mais populares para encher os cofres e poder produzir esse tipo de projeto”, afirma.

O que também chama a atenção, segundo James, é o fato de o Clube da Esquina não ser caracterizado como movimento formal pelos integrantes. “Não havia um manifesto estético ou algo parecido. Com Milton como aglutinador, era um grupo de amigos que se conheciam e foram sendo incorporados ao longo do processo”.

Os detalhes que antecederam à realização de “Clube da Esquina”, como as composições escritas numa casa de praia, em Niterói, no ano de 1971, são descritos no livro de James, já fora de catálogo. Atualmente, ele e a organizadora buscam reedição, por meio de crowdfunding.