A discussão sobre o uso de recursos do ambiente virtual — como internet, redes sociais, influenciadores digitais e inteligência artificial — nas campanhas eleitorais dominou a segunda parte da última audiência pública na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), realizada para instruir o projeto do novo Código Eleitoral (PLP 112/2021). Durante o debate, realizado nesta terça-feira (29), críticos manifestaram preocupação com a possibilidade de banimento de contas e conteúdos online.

O texto, relatado pelo senador Marcelo Castro (MDB-PI), estabelece que ordens judiciais de remoção de conteúdos na internet devem se restringir a casos de violação de regras eleitorais ou ofensas a direitos de pessoas envolvidas no processo eleitoral. Também proíbe o cancelamento, exclusão, suspensão ou banimento de contas de candidatos a cargos eletivos durante o período eleitoral, salvo decisão judicial ou publicações anônimas.

O senador Rogério Marinho (PL-RN) classificou o dispositivo de banimento de contas como “flagrantemente inconstitucional” e equivalente a censura prévia.

Iná Jost, coordenadora de pesquisa do InternetLab, avaliou que o novo Código tenta equilibrar o peso excessivo de influenciadores digitais nas campanhas. Para ela, influenciadores que não são candidatos devem poder expressar opiniões políticas livremente, mas não deveriam ser contratados para apoiar candidaturas.

Existe uma preocupação legítima com o equilíbrio da disputa e a igualdade de chances. Nas redes sociais, é muito diferente começar uma campanha com 10 mil seguidores ou com 1 milhão de seguidores”, destacou Iná.

Segundo ela, o atual arcabouço jurídico já trata dos impulsionamentos eleitorais, determinando que apenas candidatos e partidos possam financiar propaganda política. No caso de influenciadores que se candidatem, Iná defende que, durante o período eleitoral, seja vedado o impulsionamento de produtos ou serviços não relacionados à campanha, para evitar o uso indevido da popularidade digital.

Bruna Martins dos Santos, representante da Força-Tarefa Eleições da Coalizão Direitos na Rede, afirmou que o Código Eleitoral precisa estabelecer regras claras de transparência para o uso de inteligência artificial (IA) nas campanhas. Ela ressaltou que as desigualdades globais no acesso à tecnologia, somadas ao uso indevido de IA, prejudicam especialmente mulheres e midiativistas, alvos frequentes de desinformação e assédio online.

“Apesar dos riscos, o uso de IA por partidos e campanhas já é significativo. É essencial que a legislação exija responsabilidade na utilização dessas tecnologias, impondo salvaguardas para proteger o ecossistema informacional e os direitos dos eleitores”, defendeu Bruna.

Iná Jost também apoiou a criação de regras específicas para o uso da IA, sugerindo a rotulagem obrigatória de conteúdos manipulados por inteligência artificial, exceto em casos de aprimoramento técnico de imagem ou áudio.

O novo Código Eleitoral permite que partidos e candidatos impulsionem conteúdo digital já na pré-campanha, a partir do início do ano eleitoral, limitado a 10% do teto de gastos do cargo disputado. Esse gasto será contabilizado no limite geral de despesas da candidatura.

O advogado André Garcia Xerez Silva, membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), propôs a criação de um marco temporal claro para a fiscalização eleitoral sobre manifestações de apoio, sugerindo que apenas nos três ou seis meses que antecedem o pleito as expressões semelhantes a pedido de voto sejam inspecionadas pela Justiça Eleitoral.

“Um período bem delimitado contribuiria para segurança jurídica e para preservar a liberdade de expressão na pré-campanha”, defendeu Silva.

O relator, senador Marcelo Castro, reconheceu, ao final da audiência, que ainda existem muitos pontos a serem ajustados no relatório.

“Pensei que o relatório estivesse finalizado, mas percebo que ainda há muito a ser incorporado. Contudo, não podemos atrasar demasiadamente a votação deste Código Eleitoral”, afirmou.

O senador Ciro Nogueira (PP-PI), também presente na audiência, reiterou sua defesa histórica da reforma política, mas ponderou que ela dificilmente será implementada para o pleito seguinte.

Deputados e senadores pensam: ‘Fui eleito desse jeito, melhor manter as regras atuais’. Por isso, acredito que reformas deveriam ser feitas para eleições futuras, e não para as próximas”, avaliou Ciro.

O debate reforçou que, embora a atualização do Código Eleitoral seja considerada urgente, o desafio é equilibrar a necessidade de regulamentar novos fenômenos, como o impacto dos influenciadores digitais e da inteligência artificial, com a preservação da liberdade de expressão e a garantia da igualdade entre candidatos no processo eleitoral.

Foto: Saulo Cruz/Agência Senado


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