Flávio Brasil Marzano

“penso, logo existo”

Temos visto várias manifestações atacando instituições por limitarem o direito à livre manifestação de pensamento, alega-se que autoridades estão violando a Constituição, pois a liberdade de expressão do indivíduo está ligada ao direito de manifestação do pensamento e a possibilidade de emitir suas opiniões e ideias ou expressar atividades intelectuais, artísticas, científicas e de comunicação não deve sofrer interferência ou eventual retaliação do Estado, pois a pluralidade de pensamentos faz parte do sistema democrático.

Somente quem se enxerga superior aos outros pode achar que pode exercer seu direito sem observar o limite do direito alheio, quando se convive em sociedade.

A Constituição Cidadã de 1988 destaca nos direitos e garantias fundamentais expressamente a proteção à liberdade de manifestação do pensamento, da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença.

Não há qualquer ressalva prévia constitucional ao exercício do direito constitucional à livre expressão do pensamento, a não ser que o autor do pensamento deve ser identificado. Verifica-se que se assim não fosse, haveria censura prévia. A indicação de que não pode haver manifestações apócrifas é um indicativo claro de que a manifestação do livre pensamento pode ter como consequência responsabilização, que pode ser cível, penal, administrativa ou até funcional, o que já indica uma limitação a tal direito.

O exercício de qualquer direito em um Estado Democrático é limitado, pois em todos os indivíduos são destinatários de Direitos e Garantias, tanto as maiorias que ganham a eleição quanto as minorias, que tem sua segurança jurídica materializada no plexo de direitos fundamentais que o Estado ou mais precisamente o Governo passageiro devem respeitar.

Fato é que o direito à Liberdade de Expressão, que a princípio no ditame constitucional não sofre restrição prévia, não é absoluto, está inserido em meio a diversos direitos que devem ser exercidos por todos os brasileiros, afinal o Estado é Democrático. Veja como exemplo o direito à dignidade da pessoa humana que vem como fundamento de nosso Estado Democrático no art 3º da CF e faz face direta ao direito à liberdade de expressão, ou seja, seja quem for tem o direito à sua dignidade colocado antes do direito individual da liberdade de expressão.

A princípio, em uma leitura pouco técnica e desavisada há quem pense que o texto constitucional permite aos indivíduos a expressão das mais absurdas e estúpidas ideias, o que tem sido encarado como exercício pleno do direito à liberdade de expressão! Não é verdade tal interpretação é completamente equivocada, pelos fundamentos do próprio Direito, da Democracia e do Estado Democrático de Direito Brasileiro.

Por definição da própria Constituição de 1988 em seu art 1º, A República Federativa do Brasil, nome do Estado Brasileiro, é um Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos entre outros a dignidade da pessoa humana. Em seu artigo 5º a CF discorre sobre vários direitos e garantias fundamentais, que tem de ser garantidos a todos, na forma do caput do art 5º Da CF que anuncia que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes…”.

Esta é a maravilha do Estado Democrático, direitos e garantias são assegurados a todos, só por estarem vinculados de qualquer forma a tal estado. Talvez seja por isto que grupos fundamentalistas e radicais atacam tanto tal estrutura do Estado e os órgãos de proteção dos direitos constitucionais. Querem o poder somente para eles sem observar as garantias de todos os indivíduos.

O direito à Liberdade de Expressão, que muitas vezes é encarado como o disposto literalmente nos inc.IV, V, e VI, do art. 5º da CF, na verdade faz parte de todo um plexo e de direitos e garantias que estão espalhados por toda a carta constitucional. Desta forma, para se exercer qualquer direito, há que se pesquisar a origem constitucional do mesmo bem como seu significado dentro de todo o arcabouço jurídico a que pertence.

O pacto social que dá sustentação à nossa paz e segurança jurídica determina que o Brasil é um Estado Democrático de Direito, fundado em um governo Republicano. Por definição da institucionalização do Estado o poder não tem um dono, pertence ao povo ao Estado vinculado e é exercido por determinadas autoridades, em nome do povo e não em nome próprio, e somente nos limites daquilo que é permitido e pela própria lei. Esta talvez seja a maior distinção de uma república, em sua concepção ninguém está acima dos desígnios da sociedade que são materializados pelo escopo normativo.

Em um estado Democrático de Direito, não existe Autoridade superior à vontade popular, materializada por órgão próprio do estado através de Leis. No caso brasileiro, a situação é bem desenhada no parágrafo único do art, 1º da CF. “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. Assim as autoridades de um Estado de Direito devem obedecer a todo o escopo normativo constitucional e às leis, e devem governar para todos, garantindo inclusive o direito de quem se posiciona politicamente de forma divergente, como determinam os Direitos e Garantias Fundamentais. Nenhum indivíduo vinculado ao Estado Brasileiro pode ser destituído de tais direitos, salvo por determinação constitucional, ou por lei, na forma que a própria Constituição autoriza.

Assim é que a vontade popular é cristalizada pelos representantes do Povo através dos instrumentos normativos, vinculados ao pacto social originário (Constituição) que se tornam obrigatórios a todos e visam compatibilizar o exercício dos direitos pelas maiorias e pelas minorias, o que se dá pela garantia aos fundamentos da República, art. 3º, e dos Direitos e Garantias Fundamentais, art 5 e seguintes da CF, ou seja pela compatibilização de todos os direitos elencados na Constituição, verificando-se sempre a reserva do possível.

Compatibilização do exercício dos direitos de determinados indivíduos com as garantias fundamentais de outros indivíduos. É assim que se torna possível a vida em uma sociedade.

Assim, os conceitos de liberdade de uns e de dignidade de outros, para seu exercício pleno, devem ser compatibilizados pelo próprio sistema normativo, ou no impedimento destes, através de órgãos competentes para dizer qual o conteúdo de determinado dispositivo que compatibilizará o exercício dos direitos fundamentais por todos, principalmente em cada caso concreto.

Nossa constituição prevê, ao lado da liberdade de expressão, inúmeros outros direitos, que devem ser respeitados, em harmonia, de forma que ao se exercer o seu direito à liberdade, não se viole direitos de outros indivíduos. É a cristalização do velho ditado popular “o direito de um termina onde começa o direito do outro.”

É o que ocorre, por exemplo, quando a expressão do pensamento afeta a honra, a intimidade ou a vida privada de terceiros, principalmente no exercício de direitos também protegidos pela Constituição Federal. O exercício de um direito não é um salvo conduto para a agressão ou para a violação da dignidade alheia ou de qualquer outro direito constitucional.

A liberdade de expressão não abrange a manifestação de qualquer pensamento que o indivíduo tenha. Determinados atos, legitimados por ideologias e pensamentos são banidos de nossa sociedade, por serem incompatíveis com a sociedade que se quer construir declarado na própria constituição ou por ameaçar terceiros em seus direitos fundamentais. Qualquer cidadão pode expressar suas ideias, por mais absurdas e estapafúrdias que sejam, mas há um limite!

Discursos de ódio, que incitam a violência ou a agressão, que pregam o sectarismo social a prevalência de determinados valores que reduzem a condição de indivíduos à inferioridade social, vão de encontro aos fundamentos de toda a ordem jurídica materializada na Constituição, que ao final, trazem são os valores eleitos que mantêm a segurança jurídica e a paz social.

Vemos que há leis que criminalizam o discurso e atitudes em desconformidade com os objetivos da República Federativa do Brasil consignados no art. 3º: construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Assim é que mesmo sem dispositivo constitucional específico, o legislador, no exercício do poder outorgado pelo povo brasileiro, pode inclusive criminalizar determinadas condutas e manifestações por serem completamente afrontosas a todo o Estado Democrático de Direito Brasileiro.

A medida desse limite, tecnicamente, é uma opção política, momentânea e mutável, fato ligado à cultura e à história do nosso país e completamente diferente de vários países que servem de referência ideológica para diversos grupos.

Nosso direito fixa os limites da liberdade de expressão aspecto dentre outros ao criminalizar a incitação ao crime, a propaganda de fato criminoso e a prática ou a indução à discriminação e ao preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Veda expressamente a fabricação e a distribuição de símbolos ou distintivos que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo.

Não é uma violação à liberdade de expressão, pelo contrário, é a garantia de direitos fundamentais a todos os indivíduos. Os símbolos nazistas trazem consigo as ideias de intolerância, ódio, racismo e extermínio do outro, que não podem ser admitidas em um Estado com os objetivos constitucionais do nosso.

Em suma, há liberdade de expressão, no limite dos direitos e garantias fundamentais do direito alheio, ou seja, pode pensar o que quiser, mas não manifeste discurso que propague o ódio, a violência, o preconceito e o sectarismo, contra pessoas ou instituições, pois, assim como qualquer direito, o direito à liberdade de expressão não é absoluto e muito menos ilimitado, ganhando limites nos direitos fundamentais de toda a sociedade.


1 Comentário

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    Muryllo Cézar Alvarenga, fevereiro 23, 2022 17:13 @ 17:13

    Inovando e sempre buscando a expressão da liberdade, baseada sempre nos preceitos da constituição e da lei, estes são os autores. Parabéns pelo projeto.

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