O embaixador da Rússia no Brasil, Alexei Labetskii, declarou que a Rússia não aceita que temas geopolíticos, especialmente a guerra na Ucrânia, ocupem a pauta da próxima Cúpula do G-20. Labetskii argumenta que o bloco, formado pelas 20 maiores economias do mundo, deve priorizar temas econômicos e sociais, como o combate à fome e à pobreza, definidos pela presidência brasileira. Segundo ele, incluir debates sobre conflitos regionais e rivalidades internacionais vai contra o propósito histórico do G-20.
Em encontro com jornalistas nesta quinta-feira, 31, na embaixada em Brasília, o embaixador afirmou que os “temas geopolíticos estão fora do jogo” e criticou o que considera uma tentativa dos países ocidentais de punir a Rússia ao incluir esses tópicos na agenda. Labetskii propôs que, caso conflitos sejam abordados, questões de guerras passadas, como Vietnã, Iraque e Líbia, também deveriam ser revisadas. Dessa forma, segundo ele, as discussões seriam mais equilibradas.
A cúpula do G-20, marcada para 18 e 19 de novembro no Rio de Janeiro, promete intensos debates entre as delegações sobre a linguagem oficial referente à guerra na Ucrânia e o conflito entre Israel e o Hamas, que geraram impasses em reuniões preliminares. A dificuldade em alcançar consenso já impediu declarações conjuntas nos encontros de ministros do G-20 em 2022 e 2023, e as negociações para o comunicado final do Rio seguem complexas.
Labetskii destacou que o Brasil, como anfitrião da cúpula, tem a responsabilidade de garantir que a delegação russa participe sem incidentes. Em fevereiro, representantes russos enfrentaram dificuldades para reabastecer a aeronave no Brasil devido a sanções impostas pelos Estados Unidos. O embaixador disse que conta com o apoio brasileiro para evitar problemas semelhantes. “O Brasil nos convidou e garante o serviço. Partimos do princípio de que nossos parceiros brasileiros vão nos dar a possibilidade de resolver todas as questões,” declarou. Nos bastidores, espera-se que o ministro das Relações Exteriores, Serguei Lavrov, chefie a delegação russa.
O presidente russo, Vladimir Putin, não comparecerá ao evento. Desde a invasão da Ucrânia, em 2022, Putin tem sido isolado no cenário internacional e não participou das últimas edições do G-20, realizadas na Indonésia e na Índia. Ele também evitou comparecer ao encontro do Brics na África do Sul devido ao mandado de prisão emitido pelo Tribunal Penal Internacional (TPI), que o acusa de crimes de guerra na deportação de crianças ucranianas. Embora o Brasil integre o TPI, o governo brasileiro evitou esclarecer se o mandado seria cumprido em solo brasileiro.
Outro ponto que gera tensões diplomáticas é a tentativa do Brasil de integrar uma solução para a paz na Ucrânia, promovendo uma aproximação entre a proposta sino-brasileira de cessar-fogo e a “fórmula de paz” do presidente ucraniano Volodmir Zelenski, que exige a retirada das tropas russas. No entanto, Labetskii rejeitou essa possibilidade de aproximação e acusou a Ucrânia de se armar enquanto promovia diálogos com a Rússia.
O embaixador russo também comentou sobre a recente decisão do governo Lula de vetar a entrada da Venezuela no Brics, situação que gerou uma crise entre os países. Para ele, o tema deve ser resolvido diretamente entre Brasil e Venezuela, sem interferência do Brics. Tanto a Rússia quanto a China apoiam a entrada da Venezuela, liderada por Nicolás Maduro, no bloco.
Em relação ao Brics, Labetskii reafirmou que o grupo não é uma oposição ao Ocidente, criticando o que considera uma “narrativa politizada” de que o bloco contraria o G-7 e outros grupos ocidentais.
Com o Brasil assumindo a presidência rotativa do Brics, um dos principais objetivos será desenvolver um sistema financeiro independente para facilitar pagamentos e investimentos entre os países membros, minimizando o impacto das sanções ocidentais. Para Labetskii, a “desdolarização” é fundamental para garantir que o fluxo financeiro entre os países do Brics não dependa das moedas ocidentais, como o dólar e o euro, que têm sido usados como instrumentos de sanção contra nações como a Rússia e o Irã.
Essa proposta de desdolarização é defendida pelo presidente russo, Vladimir Putin, pelo presidente chinês, Xi Jinping, e pelo presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva. Eles discutem alternativas ao uso do dólar, com o yuan (renminbi) chinês sendo considerado a moeda mais viável para esse objetivo. Há também planos para criar um sistema próprio de pagamentos, compensações e comunicação interbancária, semelhante ao Swift, do qual a Rússia foi excluída em 2022. No entanto, diplomatas admitem que a implementação dessas alternativas é desafiadora e de longo prazo.
O embaixador reconheceu que as sanções internacionais, principalmente as americanas e europeias, impactaram severamente a economia russa, especialmente no setor bancário, mas argumentou que também impulsionaram a autossuficiência industrial, tecnológica e militar da Rússia. Segundo ele, o país está comprometido em melhorar o padrão de vida dos cidadãos e defender os direitos dos russos em um contexto internacional cada vez mais adverso.
Ainda dentro das articulações russas no Brics, Labetskii revelou que a ex-presidente Dilma Rousseff foi convidada a continuar presidindo o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB) por mais cinco anos. De acordo com ele, a escolha foi estratégica para evitar que o banco, se liderado por um russo, fosse alvo de novas sanções. Dilma Rousseff aceitou o convite, que agora depende da aprovação formal dos demais membros do Brics.
O Brasil, ao assumir a liderança do Brics, terá o desafio de consolidar essa estratégia de independência financeira, articulando um sistema capaz de contornar sanções econômicas e facilitar transações entre os países membros, promovendo maior autonomia econômica em um cenário global polarizado.