O infectologista Julio Croda, pesquisador da Fiocruz e presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (SBMT), já era conhecido internacionalmente por sua atuação no enfrentamento à tuberculose. Quando a pandemia de coronavírus eclodiu, no início de 2020, ele estava à frente do Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis do Ministério da Saúde, durante a gestão do ministro Luiz Henrique Mandetta.

Desde então, se tornou uma das maiores referências no assunto no Brasil. Em entrevista ao GLOBO, Croda, que também é professor da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS) fala sobre o fim da pandemia, estima que em breve será possível relaxar o uso de máscaras e alerta para a necessidade de ampliar a quarta dose para os idosos, em especial aqueles que tomaram três injeções da CoronaVac.

Como o senhor classifica o momento atual da pandemia?

Eu diria que estamos caminhando para o fim da pandemia e vamos entrar numa fase endêmica, com períodos sazonais epidêmicos, como já acontece com a gripe e a dengue, por exemplo. Passar da pandemia para a endemia não significa que a gente não vai ter o impacto da Covid-19 em termos de hospitalização e óbito.

Significa que esse impacto vai ser menor a ponto de não ser necessário medidas restritivas tão radicais e eventualmente até a liberação do uso de máscaras, que é uma medida protetiva individual.

Isso se deve justamente pelo avanço da imunidade coletiva da população mundial. Estamos avançando muito mais às custas de vacinação do que da infecção. Ela foi a grande mudança de paradigma, que reduziu a letalidade da Covid-19 de um número 20 vezes maior que o da influenza para duas vezes maior, nesse momento.

O que define o fim da pandemia e o início da endemia da Covid-19?

O grande marcador é a letalidade. Ou seja, quanto a Covid mata. Esse vírus só vai matar menos se tiver alta cobertura vacinal. As pessoas que morrem, atualmente, fazem parte de três grupos: idosos muito extremos mesmo vacinados, pessoas com muita comorbidade e pessoas não vacinadas.

À medida que avançamos na vacinação, a tendência é reduzir essa letalidade. Foi assim com a influenza H1N1, quando surgiu a pandemia em 2009. Partimos de uma letalidade de 6% e isso foi reduzido para 0,1%.

Esse cenário positivo pode acontecer ainda esse ano?

Com certeza. Mas isso será diferente em cada região e cada país, pois depende da cobertura vacinal, da letalidade e da dinâmica da transmissão. Diversos países começarão, de alguma forma, a diminuir as medidas restritivas, cancelando a obrigatoriedade do uso de máscaras, de manter distanciamento, de evitar aglomeração.

Isso já acontece na Europa. Depois da onda de Ômicron, todos os países flexibilizaram.

Muitos deixaram de exigir o uso de máscara. Se não existem medidas restritivas, se a recomendação eventualmente seja a vacinação e doses de reforços anuais, não faz sentido eles continuarem mobilizados em uma resposta pandêmica, de emergência em saúde pública.

A Europa já está caminhando nesse sentido porque tem mais de 50% da população com três doses e mais de 70%,80% com duas doses. No esquema da Ômicron, três doses é o esquema básico de vacinação.

E no Brasil, quando isso vai acontecer?

Acredito que ainda nesse primeiro semestre a gente tenha uma situação mais favorável, que seja possível de alguma forma, declarar que não estamos mais em emergência de saúde pública, por exemplo. O número de hospitalizações e óbitos é que vai determinar o impacto sobre o serviço de saúde.

A quarta dose tem sido muito discutida, ela é de fato importante nesse momento?

A quarta dose é importante principalmente para os idosos e pessoas com comorbidades. Essas pessoas foram as primeiras a receber o esquema básico com duas doses e muitos receberam essa terceira dose em setembro, no máximo em outubro. Então já tem quatro meses dessa terceira dose.

Como a gente sabe que existe uma queda de proteção ao longo do tempo, seria importante eles receberem um novo reforço. As vacinas foram perdendo a sua efetividade e proteção principalmente pelo surgimento de novas variantes.

Elas continuam protegendo contra hospitalização e óbito, mas no idoso, essa perda é mais pronunciada. No Brasil ela se torna ainda mais importante porque a maioria desses idosos recebeu esquemas primários com a CoronaVac.

Em São Paulo, alguns fizeram esquemas homólogos de CoronaVac há mais de quatro meses. Já sabemos que a CoronaVac na população idosa produz uma resposta imunológica menor e uma proteção menor.

Fonte: Portal G1