O secretário extraordinário da reforma tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, destacou, em entrevista recente, que as novas regras tributárias trarão diferentes impactos para os setores de saneamento, mercado imobiliário e aviação. Appy defendeu as decisões tomadas no Congresso Nacional e argumentou que, apesar das mudanças, os setores terão benefícios importantes, especialmente com a desoneração proporcionada pela não-cumulatividade.

No caso do saneamento, Appy explicou que as novas concessões serão menos afetadas pela reforma tributária, enquanto as concessões mais antigas enfrentarão maior impacto. Segundo o secretário, mesmo nesses casos, será possível recorrer ao mecanismo de reequilíbrio de contrato, já previsto no projeto de lei complementar (PLP) 68/2024.

O setor de saneamento havia pleiteado no Congresso Nacional a inclusão no redutor de alíquota de 60%, que limitaria o pagamento a 40% da alíquota de referência dos novos tributos sobre consumo, a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). A proposta chegou a ser aprovada no Senado, mas foi retirada pela Câmara devido ao impacto fiscal estimado em 0,38 ponto percentual na alíquota padrão.

Appy classificou o redutor de 60% como “exagerado” e argumentou que tal medida resultaria em benefícios desproporcionais. “Claramente seria muito mais do que o necessário para manter as tarifas e, no caso das concessões novas, seria um grande privilégio”, afirmou. Ele também ressaltou que as novas concessões serão amplamente beneficiadas pela possibilidade de recuperação de tributos sobre os investimentos, o que reduz os custos e praticamente elimina impacto nas tarifas.

Já para as concessões mais antigas, o secretário reconheceu que haverá um impacto maior, mas discordou das projeções feitas pelo setor, que apontam aumento de até 18% nas tarifas de água e esgoto. “Esse impacto não é do tamanho que o setor tem falado. Mesmo assim, o reequilíbrio de contratos está previsto no projeto para lidar com essas questões.”

Appy também sugeriu que uma alternativa mais eficiente seria implementar cashback de 100% para famílias carentes sobre o pagamento da CBS e do IBS nos serviços de saneamento. Ele destacou que isso teria maior impacto social e seria mais sustentável para o sistema tributário.

Para o setor imobiliário, Appy enfatizou que a reforma tributária pode gerar uma pequena redução nos preços, estimada entre 2,5% e 2,7% da base de cálculo, com impacto final inferior a 2%. Ele explicou que o novo modelo, baseado na recuperação de créditos tributários, deve beneficiar principalmente quem investe em imóveis para locação. “Se eu comprar um imóvel e recuperar 100% do crédito, posso usar esse valor para compensar os impostos gerados pelo aluguel”, afirmou.

O PLP 68/2024 prevê uma transição específica para o setor imobiliário, permitindo que incorporadoras mantenham o Regime Especial Tributário (RET) de forma cumulativa até 31 de dezembro de 2028. Além disso, o parcelamento do solo e a alienação de imóveis terão tributação reduzida até essa data. Ainda assim, Appy acredita que a maioria das empresas do setor acabará migrando para o novo regime, devido às vantagens da não-cumulatividade.

“O setor pediu uma transição para manter o sistema atual, mas acredito que, ao entenderem os benefícios do novo sistema, eles optarão por mudar. A resistência inicial é compreensível, mas as vantagens do modelo não-cumulativo devem prevalecer”, afirmou.

No setor de aviação, a regulamentação da reforma tributária definiu que passagens aéreas internacionais de ida pagarão a alíquota cheia da CBS e do IBS, enquanto as passagens de retorno ao Brasil serão desoneradas. A decisão, segundo Appy, reflete uma escolha política do governo, que priorizou manter alíquotas menores para o restante da economia em vez de desonerar completamente as viagens internacionais.

O setor argumenta que a cobrança vai contra o padrão internacional da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que prevê isenção total para passagens internacionais. Representantes do setor afirmam que isso pode reduzir a competitividade do Brasil como destino turístico e impactar negativamente a demanda por viagens internacionais.

Appy, no entanto, rebateu essas críticas e explicou que não há um padrão absoluto na OCDE, embora a maioria dos países opte pela desoneração. Ele afirmou que a decisão brasileira foi cuidadosamente avaliada e que tributar apenas uma das pernas da viagem foi uma maneira de equilibrar interesses. “Se optássemos por desonerar totalmente as passagens, a alíquota padrão da economia seria mais alta”, justificou.

Outro tema polêmico abordado na entrevista foi o benefício fiscal concedido a uma refinaria de combustíveis na Zona Franca de Manaus, incluído no PLP 68/2024 por meio de uma emenda do senador Omar Aziz (PSD-AM). A medida permite que o refino de combustíveis na região aproveite benefícios tributários, algo que, segundo Appy, não era apoiado pelo Ministério da Fazenda.

O secretário explicou que, devido à redação do texto aprovado, não seria possível vetar o benefício sem permitir que outros combustíveis também fossem contemplados. Apesar de considerar que a medida pode gerar distorções competitivas, Appy afirmou que a decisão foi política e precisa ser respeitada.

“Esse tipo de benefício específico gera insatisfação em outros segmentos do setor. A posição do Ministério da Fazenda era contrária, mas a decisão final foi do Congresso. Ainda assim, o impacto dessa medida precisa ser avaliado com cautela.”

A reforma tributária do consumo trará mudanças significativas para diversos setores da economia brasileira. Apesar de resistências iniciais, Bernard Appy acredita que os benefícios do novo modelo, como a recuperação de créditos e a simplificação tributária, prevalecerão no longo prazo. Ele enfatizou que as decisões tomadas equilibram os interesses setoriais e a necessidade de manter a sustentabilidade fiscal.

Foto: Valter Campanato / Agência Brasil

 


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