O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) anunciou que começará, no próximo dia 26, a restituir R$ 292,7 milhões a aposentados e pensionistas que sofreram descontos não autorizados em seus benefícios referentes a mensalidades associativas. A medida foi tomada após investigações revelarem um esquema de cobranças indevidas envolvendo entidades como sindicatos e associações, que atuavam com base em Acordos de Cooperação Técnica (ACTs) firmados com o próprio INSS.
Segundo a autarquia, todos os segurados que tiveram valores descontados em abril, independentemente de terem autorizado ou não a dedução, serão ressarcidos até o dia 6 de junho, quando os próximos benefícios serão depositados. O valor se refere exclusivamente aos descontos realizados entre o fim de abril e o início de maio, período em que já havia sido determinado o bloqueio das cobranças em razão da deflagração da Operação Sem Desconto, conduzida pela Polícia Federal (PF) e pela Controladoria-Geral da União (CGU).
Em nota, o INSS explicou que, apesar do bloqueio já estar em vigor, as folhas de pagamento de abril já haviam sido processadas, o que resultou na realização de descontos em favor das entidades. No entanto, os valores não chegaram a ser transferidos às organizações, sendo integralmente retidos. A promessa de devolução dos recursos já havia sido feita pelo governo federal, mas sem a divulgação do montante exato.
“O que foi descontado dos aposentados não irá mais para as associações neste mês de maio. Será retido e devolvido aos beneficiários na folha seguinte”, garantiu o ministro da CGU, Vinicius Marques de Carvalho, um dia após o lançamento da operação policial que revelou o esquema de fraudes.
O presidente do INSS, Gilberto Waller Júnior, detalhou nesta quinta-feira, 8, que o processo de ressarcimento se estenderá a todos os prejuízos sofridos pelos segurados entre março de 2020 e março de 2025. Para isso, o instituto iniciará, na próxima terça-feira, 14, a notificação de cerca de nove milhões de beneficiários que sofreram descontos relativos à filiação a associações, sindicatos ou outras entidades.
As notificações serão realizadas exclusivamente por meio do aplicativo Meu INSS e pela Central Telefônica 135. Ao acessar esses canais, o segurado poderá verificar se houve desconto, identificar a entidade responsável e decidir se reconhece ou não o vínculo associativo. Caso o beneficiário negue ter autorizado o desconto, o INSS notificará a entidade correspondente, que terá o prazo de 15 dias úteis para comprovar documentalmente a filiação e a autorização do desconto.
“Se a entidade não apresentar essa comprovação, o caso será encaminhado à Advocacia-Geral da União (AGU), para adoção das medidas judiciais cabíveis”, informou Waller. Ele frisou que o segurado não precisará apresentar nenhuma documentação. “Apenas será necessário clicar no aplicativo e informar que aquele desconto não foi autorizado. A responsabilidade pela comprovação caberá exclusivamente às entidades”, acrescentou.
Segundo o presidente do INSS, somente após o fim deste processo de averiguação será possível saber o número exato de beneficiários lesados. A cobrança de mensalidades associativas em folha de pagamento é permitida desde 1991, com base na Lei dos Benefícios da Previdência Social, e depende da celebração de ACTs entre o INSS e as entidades, que autorizam o repasse direto dos valores.
Relatórios divulgados recentemente pela CGU mostram que as investigações administrativas sobre essas irregularidades já estavam em curso desde o primeiro semestre de 2024. A Operação Sem Desconto, deflagrada em 23 de abril, teve como consequência imediata a exoneração do então presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, substituído por Waller. Outros quatro dirigentes do instituto e um policial federal também foram afastados de seus cargos.
Pouco tempo depois, o então ministro da Previdência Social, Carlos Lupi, deixou o comando da pasta. O INSS está vinculado diretamente ao Ministério da Previdência. No rastro da operação, a autarquia suspendeu todos os ACTs e bloqueou os descontos automáticos em folha para todas as entidades, atingindo milhões de beneficiários.
A AGU formou um grupo especial para propor ações judiciais e administrativas com o objetivo de recuperar os recursos desviados, ressarcir os aposentados prejudicados e combater novas fraudes. Até o momento, mais de R$ 1 bilhão em bens dos investigados já foi bloqueado por decisão judicial. Nesta quinta-feira, a AGU solicitou à Justiça Federal o bloqueio adicional de R$ 2,56 bilhões em bens de doze entidades envolvidas no esquema.
Dados levantados pelo INSS e pela CGU revelam um crescimento expressivo nos descontos associativos nos últimos anos. Em 2016, o total de descontos foi de R$ 413 milhões. No ano seguinte, subiu para R$ 460 milhões. Em 2018, o valor chegou a R$ 617 milhões, e em 2019, a R$ 604 milhões. Em 2020, em razão da pandemia da covid-19, houve queda para R$ 510 milhões. Contudo, em 2021, o valor voltou a crescer, atingindo R$ 536 milhões. Em 2022, os descontos chegaram a R$ 706 milhões, e em 2023, dispararam para R$ 1,2 bilhão. No ano passado, o total bateu recorde: R$ 2,8 bilhões.
As reclamações dos beneficiários acompanharam esse aumento. Entre janeiro de 2023 e maio de 2024, o INSS recebeu mais de 1,163 milhão de pedidos de cancelamento de cobranças associativas, a maioria sob a justificativa de que os descontos não haviam sido autorizados nem pelos beneficiários nem por seus representantes legais.
A ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, assegurou nesta quinta-feira que o governo federal irá ressarcir integralmente todas as vítimas dos descontos ilegais, inclusive com o uso de bens confiscados dos envolvidos no esquema. “Ninguém vai sair prejudicado dessa situação. Todos serão ressarcidos”, declarou.
Tebet ponderou, no entanto, que os valores obtidos com o bloqueio de bens podem não ser suficientes. “Se for necessário, a União irá complementar com recursos públicos. Mas, para isso, teremos de agir com muita responsabilidade, garantindo que apenas quem realmente foi lesado seja restituído”, concluiu.
Com a mobilização de diversos órgãos do governo e o avanço das investigações, o caso dos descontos ilegais em aposentadorias se tornou um dos principais escândalos da administração pública recente, envolvendo não só desvios milionários, mas também a violação direta de direitos de milhões de segurados. O governo agora corre contra o tempo para estancar os danos e restabelecer a confiança dos aposentados no sistema previdenciário.
Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil