Por Marco Aurelio Carone

Considerado um sonho, o empreendimento, localizado no entorno da Serra da Moeda, Vetor Sul de Belo Horizonte, município de Nova Lima, abrigara condomínios, prédios residenciais, centros comerciais e até mesmo áreas industriais. A previsão e que, o gigantesco projeto, com pouco mais de uma década tenha sua população entre as 30 maiores cidades de todas as 853 de Minas Gerais e aumentará em 100% a população de Nova Lima.

Embora fascinante, traz consigo enorme insegurança jurídica e hídrica, para os atuais moradores e futuros compradores. Um dos motivos é Augusto Martinez de Almeida, que em 1999 foi o idealizado e executor do Condomínio denominado Alphaville Lagoa dos Ingleses, através de sua empresa, Lagoa dos Ingleses Empreendimentos Imobiliários S/A.

Atualmente o empresário e dono de 70 empresas cadastradas na Receita Federal, muitas delas em recuperação judicial. Dentre suas empresas a SAMOTRACIA Meio Ambiente e empreendimentos Ltda, que não se encontra em recuperação judicial, tem a conceção para exploração do serviço de saneamento na área de todo empreendimento da C Sul, em função do Decreto Municipal º 2220/2004.

Em 2015 o grupo de empresas que compõem o empreendimento, solicitou diversas licenças, conseguindo em 2021, a licença de Instalação e Operação da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável. Conforme processo 1370.01.0011807/2021-29, a licença autoriza:

– Loteamento do solo urbano, exceto distritos industriais e similares
– Estação de tratamento de esgoto sanitário
– Estação de tratamento de água para abastecimento
– Interceptores, emissários, elevatórias e reversão de esgoto

A legislação que regula o parcelamento de solo, fixa que a infraestrutura dos loteamentos seja feita pelo empreendedor e doados para o município, que em função do contrato de concessão é administrado e operado pela SAMOTRACIA. Este é o temor dos moradores e empreendedores, pois a SAMOTRACIA a qualquer momento pode ser sugada pela recuperação judicial das outras empresas de Martinez, em função de ser parte de seu patrimônio.

O CPC, em seu artigo, prevê a possibilidade de empresa concessionária ser penhorada;
Art. 863. A penhora de empresa que funcione mediante concessão ou autorização far-se-á, conforme o valor do crédito, sobre a renda, sobre determinados bens ou sobre todo o patrimônio, e o juiz nomeará como depositário, de preferência, um de seus diretores.

§ 1º Quando a penhora recair sobre a renda ou sobre determinados bens, o administrador-depositário apresentará a forma de administração e o esquema de pagamento, observando-se, quanto ao mais, o disposto em relação ao regime de penhora de frutos e rendimentos de coisa móvel e imóvel.

§ 2º Recaindo a penhora sobre todo o patrimônio, prosseguirá a execução em seus ulteriores termos, ouvindo-se, antes da arrematação ou da adjudicação, o ente público que houver outorgado a concessão.

Ou seja, se o município de Nova Lima não concordar, a SAMOTRACIA deixa de ser concessionária, mudando radicalmente o cenário.

Outra questão que também traz insegurança, como destacado pelo próprio empreendedor na Licença de Instalação e Operação, a região não tem outra fonte hídrica a não ser através de poços artesianos, que capitaram água do Aquífero Cauê, principal reservatório de água subterrânea de todo o Quadrilátero Ferrífero.

Quando estiver concluído o empreendimento centralidade sul-C Sul, demandará 22 milhões de litros de água por dia. O cálculo foi feito com base no consumo médio de 200 litros por habitante ao dia, que é o que foi calculado em estudos hidrogeológicos apresentados pela própria empresa e anexado ao processo de pedido de licença ambiental do empreendimento.

Especialista afirmam que pelo perfil socioeconômico local e o tipo de residência que será construído, o consumo por pessoa pode chegar a 350 litros, gerando enorme reflexo em toda região.

Por este motivo a questão foi judicializada pela ONG Abrace A Serra Da Moeda, na comarca de Brumadinho.

O Juiz Rodrigo Heleno Chaves, titular da 2ª Vara Cível da Comarca de Brumadinho-MG, concedeu em 20/06/2018, liminar em Ação Civil Pública ajuizada pela ONG Abrace a Serra da Moeda impedindo a discussão e deliberação do pedido de licença ambiental da CSUL na reunião do Conselho de Política Ambiental Estadual (COPAM) que se realizaria no dia 26/06/2021, e a obrigação para a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SEMAD) se abster de pautar o pedido “até que sejam concluídos os estudos de disponibilidade hídrica do empreendimento, pautando-se na análise integrada das demandas presentes e projetadas na região afetada”.

Da decisão consta ainda; “não foram realizados estudos prévios conclusivos e detalhados sobre a disponibilidade hídrica da região”. Fundamentou ainda que “há fundado receio de dano irreparável caso persista a conduta dos requeridos de instalar o empreendimento no local acima referido, sem as devidas cautelas, ou seja, deixando de aprofundar os estudos hídricos necessários, o que pode causar risco à população e ao abastecimento de água da região”.

O promotor da Comarca de Brumadinho, William Garcia Pinto Coelho, também se manifestou favorável ao pedido liminar e acrescentou ainda requerimento de análise integrada do impacto da CSUL com outros empreendimentos poluidores vizinhos, como a fábrica da Coca Cola-FEMSA, em Itabirito, o que foi deferido pelo juiz na decisão liminar.

Os advogados da C Sul agravaram desta decisão para 2ª Instanciado TJMG, solicitando que no recebimento do mesmo fosse concedido o efeito suspensivo, ou seja a decisão não seria aplicada até o julgamento do agravo. O desembargador plantonista concedeu, decisão está revogada pouco depois pela Desembargadora Alice Birchal.

Desta decisão os advogados da C Sul agravaram, por este motivo o decidido pela Desembargadora não foi cumprido e a reunião que analisaria o processo para conceção da Licença de Instalação e operação ocorreu, tendo sido concedida a licença em 26 de fevereiro de 2021, em plena pandemia. A licença tem validade de 10 ano(s), com vencimento em 26/02/2031.

Ao voltar o processo para desembargadora decidir, como narrado anteriormente, já havia sido concedido a licença. Diante deste quadro a desembargador decidiu:

“Forçoso concluir que o presente recurso perdeu seu objeto de discussão, pois notório que após a realização da reunião supramencionada a eventual reforma da decisão proferida pelo Juízo de origem não produzirá qualquer efeito.”

Como visto o que ocorreu processualmente, foi a adoção pelos advogados da C Sul, de procedimentos jurídicos para impedir que a decisão que suspendia a reunião que analisaria o processo para conceção da Licença de Instalação e operação fosse cumprida.

O mesmo ocorreu em relação a ação ajuizada pelo MPMG, onde a C Sul e o Governo de Minas Gerais, arguirão, conexão, pois já tramitava em Brumadinho a ação da ONG Abrace A Serra Da Moeda, com o mesmo objeto, no que foram atendidos. Em momento algum discutiu-se o mérito da questão. O que está ocorrendo neste momento.

A escassez hídrica da região é uma realidade, e caso instalado o empreendimento, exigira no futuro do Poder Público, pesados investimentos, como ocorreu com Belo Horizonte, nas décadas de 40, 50 e parte da de 60 do século passado, quando a falta d’água era diária, obrigando a prefeitura, a buscar água em Bela Fama no Rio das velhas. A normalidade só veio na década de 70 com a entrada da Copasa, que construiu os reservatórios Manso e Serra Azul.

Inclusive por conta da grande demanda pelo uso da água, que vem se tornando cada vez mais crítica, em 2018, o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Velhas (CBH Velhas) solicitou ao IGAM que declarasse a região do Alto Rio da Velhas (exatamente onde estão o Sinclinal Moeda, o Aquífero Cauê desta forma incluindo o empreendimento C Sul), como de região de conflito pelo uso da água.

A área do CSUL se encontra na Zona de Amortecimento do Parque Estadual do Rola Moça é de aproximadamente 1.100,2877 além de cercado por unidades de Conservação de Proteção Integral estaduais: Parque Estadual da Serra do Rola Moça, Estação Ecológica de Fechos, Monumento Natural da Serra da Moeda e Estação Ecológica de Arêdes, Unidade de Conservação de Proteção Integral municipal (Monumento Natural Municipal da Serra da Calçada), as Reservas Particulares do Patrimônio Natural (Capitão do Mato, Trovões, Rio do Peixe, Andaime, Fazenda João Pereira.

Masterplan C Sul é um consórcio de grandes e poderosos investidores (Grupo Asamar, Alicerce/Tangará, Mindt e Barbosa Melo Participações e Investimentos/BMPI), que adquiram de Lagoa dos Ingleses Participações Imobiliárias Ltda, pertencente a Augusto Martinez de Almeida, em recuperação judicial, os terrenos restantes das fases I e II do Condomínio Alphaville, além de uma área de 27 milhões de metros quadrados no entorno da Lagoa dos Ingleses.

São três núcleos urbanos, a serem erguidos às margens de duas rodovias federais, no entroncamento da BR-040 (BH – RJ) com a BR-356 (BH – Ouro Preto), nos limites do município de Nova Lima.

Falta, contudo, a C Sul ter seu licenciamento aprovado pela Agencia metropolitana da RMBH, que consultada por Novojornal respondeu;

“O procedimento administrativo de Licenciamento Urbanístico Metropolitano, é o procedimento administrativo destinado ao exame obrigatório dos projetos de parcelamento do solo para fins urbanos, realizado por Agências de Desenvolvimento Metropolitano do Estado, previamente à aprovação pelo município integrante de região metropolitana e, conforme previsto no Decreto Estadual 48.524/2021, se divide em duas fases: emissão de diretrizes urbanísticas metropolitanas e exame e emissão da anuência metropolitana. Isto posto, é importante ressaltar que o empreendimento em questão foi divido em Glebas, sendo que o processo de Licenciamento Urbanístico Metropolitano está sendo realizado para cada Gleba separadamente. Neste sentido, foram emitidas pela Agência RMBH em conjunto com o Município de Nova Lima, Diretrizes Urbanísticas Conjuntas para algumas Glebas separadamente, cumprindo assim, para tais áreas, a primeira fase do procedimento”.

O Decreto 48.524/2021 prevê;

Art. 21. Compete à Agência de Desenvolvimento Metropolitano, previamente à aprovação pelos municípios integrantes de regiões metropolitanas, o Licenciamento Urbanístico Metropolitano de projetos de parcelamento do solo para fins urbanos e suas alterações.

Parágrafo único. Os projetos de parcelamento do solo para fins urbanos localizados em áreas de municípios integrantes do colar metropolitano não são passíveis de Licenciamento Urbanístico Metropolitano, exceto para os projetos cuja área a ser parcelada se encontre em área limítrofe ou ultrapasse o limite do território de município integrante da região metropolitana.

Inclusive na Licença de Instalação e operação concedida consta;

“9.10 Da Anuência da Agência Metropolitana e Aprovação do Parcelamento do Solo Urbano junto ao município de Nova Lima.

A Lei Federal nº 6.766/79 estatui que, no caso de loteamentos ou desmembramentos localizados em área de municípios integrantes da região metropolitana, o exame do projeto urbanístico e a anuência prévia caberão à autoridade metropolitana. O município de Nova Lima pertence à região metropolitana de Belo Horizonte que está sob a gestão da Agência de Desenvolvimento da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Dessa forma, a concessão da licença concomitante de instalação e operação ora analisada, não exclui a obrigação do empreendedor em obter a referida anuência prévia, junto a Agência de Desenvolvimento da Região Metropolitana de Belo Horizonte, Agência de Desenvolvimento da Região Metropolitana de Belo Horizonte, nos termos da Lei Federal nº 6.766/79, bem como a aprovação do parcelamento do solo urbano junto à Prefeitura Municipal de Nova Lima”.

A verdade é que hoje a C Sul, tem um licenciamento ambiental para executar obras em uma gleba, estando a mesma ainda pendente e na primeira fase do procedimento de aprovação das Diretrizes Urbanísticas. As Diretrizes Urbanísticas se caracterizam como uma das ferramentas de planejamento urbano e territorial, sendo elaboradas à luz das estratégias de ocupação do território.

Existem rumores que por este motivo o MPMG pretende embargar o que está sendo executado no Masterplan C Sul.

Daí afirmar que o projeto corre o risco de não se concretizar, para manter a segurança hídrica dos atuais moradores da região.

Esta é a segunda matéria das previstas no projeto:

Vetor Sul de Belo Horizonte, sonho ou pesadelo jurídico?

A primeira matéria foi:

Mina Capão Xavier. Vamos aguardar a próxima tragédia da Vale?

Documentos que fundamentaram esta matéria:

C Sul Fase 2
Pedido de recuperação judicial das empresas de Augusto Martinez de Almeida
Regras da Concessão da SAMOTRACIA
Licença para pesquisa de Poços artesianos
Licença de Instalação e Operação, concedida em 26 de fevereiro de 2021
Ação ajuizada pelo MPMG
Decisão desembargadora agravo ação da ONG Abrace A Serra Da Moeda


1 Comentário

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    SocorroBrasil, fevereiro 16, 2022 09:51 @ 09:51

    Alphaville um sonho ou uma fraude?

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