Por Sérgio Lozano

A revolução prometida pelo jovem recém-eleito presidente chileno, Gabriel Boric, se refletiu na sexta-feira (21) com a nomeação de seu governo, formado por uma maioria de mulheres, incluindo a deputada comunista Camila Vallejo como porta-voz e a médica independente Izkia Siches no poderoso Ministério do Interior e Segurança.

Mas se um nome se destaca fortemente neste primeiro gabinete, é o de Maya Fernández Allende, neta do histórico presidente Salvador Allende, assassinado pelas forças de Pinochet em 11 de setembro de 1973.

Agora, meio século depois desses acontecimentos, Fernández Allende foi nomeada Ministra da Defesa, colocando-se à frente do mesmo exército que, comandado pelo ditador Augusto Pinochet, assassinou seu avô na sede presidencial do Palácio de la Moneda, em Santiago do Chile, durante o golpe que acabou com a democracia mais antiga do continente sul-americano.

“Hoje um novo capítulo em nossa história democrática começa a ser escrito”, proclamou Boric após anunciar as nomeações. “Não começamos do zero, sabemos que há uma história que nos eleva e nos inspira”, disse o ex-líder estudantil, que com apenas 36 anos se tornará o presidente mais jovem do Chile em 11 de março.

Não é segredo que a figura de Allende é uma referência para Boric. Depois de vencer as eleições em dezembro passado, o líder da Frente Ampla (o mesmo nome do partido com o qual Allende venceu as eleições em 1970) parafraseou o presidente martirizado em seu discurso de vitória: “Convido vocês – como foram convidados há muitos anos – a voltarem para casa com a alegria saudável da vitória alcançada.”

A volta do sobrenome Allende a La Moneda representa o fechamento de um ciclo histórico em um Chile muito diferente daquele que sofreu o sangrento golpe de Estado com a conivência dos Estados Unidos. Assim como são distintos os objetivos de Boric, cuja revolução passa antes pela implantação de um Estado de Bem-Estar ao estilo europeu do que pela estatização da mineração.

A nova ministra da Defesa é um reflexo dessa evolução. Maya Fernández, 50, é bióloga e veterinária, além de veterana integrante do Partido Socialista, e uma das primeiras vozes dentro do partido a defender a virada à esquerda em busca de confluência com a Frente Ampla de Boric.

Filha de Beatriz Allende e sobrinha da senadora Isabel Allende, Maya Fernández foi exilada quando tinha apenas dois anos, quando sua família fugiu para Cuba após o golpe. Lá permaneceu até 1990, ano em que pôde retornar ao Chile para estudar Biologia e Medicina Veterinária. Foi também nessa época que ingressou no PS, sendo deputada deste partido por dois mandatos, além de presidir a Câmara dos Deputados em 2018. Anteriormente ocupara cargos técnicos nos governos de Ricardo Lagos e Michelle Bachelet.

Fonte: Carta Maior