Ângela Carrato – jornalista e professora do Departamento de Comunicação Social da UFMG

É preciso parar imediatamente o massacre de Israel contra o povo palestino.

É preciso criar o Estado da Palestina.

Essas são as principais mensagens das ruas em países tão diferentes quanto Estados Unidos, França, Inglaterra, Alemanha, Suécia, Turquia, Indonésia, Tailândia, Malásia, Colômbia, Venezuela, Chile e Bolívia que realizaram neste sábado a Jornada Mundial em solidariedade ao povo palestino.

Milhares de pessoas foram as ruas protestar contra a guerra absolutamente desproporcional que Israel move contra os palestinos na Faixa de Gaza, sob o protesto de se defenderem contra ataques do Hamas.

Desrespeitando a própria ONU e os preceitos mais elementares do direito internacional, o governo do primeiro ministro fascista Benjamin Netanyahu tem bombardeado escolas, áreas residenciais e hospitais na Faixa de Gaza, deixando como saldo a morte de 10 mil palestinos, dos quais 3 mil crianças, além de milhares de feridos.

Até o momento, todas as tentativas de parar o massacre realizadas pela ONU, através de seu Conselho de Segurança, falharam.

Durante outubro, mês em que o Brasil esteve à frente da presidência rotativa deste Conselho, foram seis as resoluções apresentadas e nenhuma conseguiu ser implementada.

A moderada resolução brasileira, que pedia o imediato cessar fogo e a abertura de corredor humanitário para a retirada de pessoas da Faixa de Gaza foi a que mais perto disso chegou, tendo obtido 12 votos favoráveis, duas abstenções, mas foi vetada pelos Estados Unidos.

A expectativa agora é que essa situação possa se modificar a partir da gestão da China, que assumiu a presidência rotativa e deve mantê-la até o fim do ano, e também da pressão das ruas.

Mas se a situação para os palestinos é dramática, o desgaste para Israel, os Estados Unidos, seu apoiador incondicional, e os países da OTAN é total.

Esta guerra, na realidade um genocídio e limpeza étnica, tem servido para desmascarar o verdadeiro caráter de pretensos governos democráticos do Ocidente.

Pela primeira vez desde o fim da Segunda Guerra Mundial, Estados Unidos e Europa passam a proibir e a censurar abertamente todas as manifestações e os noticiários que mostrem os horrores que Israel tem provocado.

Apesar das proibições, milhares de pessoas nas ruas em defesa dos palestinos indicam que o chamado Norte Global perdeu a narrativa.

Diferentemente do que aconteceu com a guerra na Ucrânia, onde a Rússia não conseguiu que suas razões fossem entendidas, os palestinos já ganharam esta disputa.

O fato de serem agredidos por Israel há 75 anos, não possuírem o próprio estado e a truculência da “resposta” ao Hamas, após o atentado de 7 de outubro revelaram para o mundo uma situação antes encoberta.

Tanto que mesmo governos como o de Joe Biden e o do primeiro-ministro inglês, Rishi Sunik, dão mostras de temerem pelo próprio futuro.

Na maior cara de pau, Biden que tem apoiado incondicionalmente a carnificina promovida por Netanyahu, agora tenta posar de bom mocinho e defende a abertura do corredor humanitário. No fundo, teme a fúria das multidões nos Estados Unidos, cansadas, em ano pré-eleitoral, de verem os impostos que pagam irem bancar a morte de milhares de pessoas na Ucrânia e na Faixa de Gaza, enquanto eles próprios ficam mais pobres.

Se intensificar tais guerras poderia ser um diferencial entre Biden e seu concorrente direto, Donald Trump, não é mais. Ambos defendem apenas o interesse da poderosa indústria armamentista dos Estados Unidos, controlada, como a própria mídia corporativa ocidental, pelo lobby sionista.

Não por acaso, em países que sempre posaram como sólidas democracias, a truculência contra manifestantes pró-palestina e a censura ao noticiário que não divulga apenas propaganda de guerra de Israel é uma triste realidade.

Dito de outra forma, se os palestinos estão perdendo esse conflito, os ditos países democráticos estão perdendo muito mais.

Nunca foi tão evidente a desmoralização do chamado “Ocidente” e dos seus pretensos valores democráticos.

Mais do que nunca fica claro que pouco importa se o comando for de democratas ou republicanos, conservadores ou trabalhistas. Os interesses que contam nestas ditas democracias é o dos senhores da guerra, os do imperialismo, do colonialismo e do racismo.

Daí a importância de iniciativas como as da Tailândia e da Malásia de baniram o dólar em suas transações comerciais.

Some-se a isso que não está descartada nem mesmo uma pesada reação de países árabes, embargando o petróleo para Estados Unidos e Israel. Possibilidade que levou os Estados Unidos a suspender até as duríssimas sanções que mantinha contra a Venezuela, numa prova inconteste de que é movido apenas pelos mais torpes interesses.

Outro aspecto importante nesta guerra de Israel contra o povo palestino é que ela já assumiu caráter global, mesmo sem oficialmente essa situação ter sido declarada.

Se os judeus estão espalhados por todo o mundo, a causa palestina possui adeptos e simpatizantes em todas as partes do globo.

Se Europa e Estados Unidos defendem os sionistas, o Sul Global diz não às posturas imperialistas, sempre vendidas sob o rótulo de defesa dos valores democráticos e ocidentais.

Prova disso é o apoio que os palestinos estão recebendo de governos de países como Bolívia, Colômbia e Chile, que chamaram seus embaixadores em Israel e anunciaram que podem romper relações com o governo de Netanyahu.

Além desses países latino-americanos, o povo palestino tem o apoio e a solidariedade de governos como os da Turquia e da África do Sul, indicando que eles, junto com China e Rússia, deixam evidente a nova configuração de forças no mundo.

Mas e nós, e o Brasil nisso?

Um dos principais defensores do Sul Global e da nova ordem mundial, o governo do presidente Lula insiste na postura de neutralidade, mesmo que historicamente o PT sempre tenha reconhecido e apoiado a causa palestina.

É o que tem bastado para Israel retaliar o Brasil, como indica a manutenção de 35 brasileiros na Faixa de Gaza, mesmo um dos aviões presidenciais estando estacionado no Cairo, há dias, aguardando apenas que essas pessoas possam cruzar a fronteira para serem embarcadas para cá. Enquanto isso, dezenas de estadunidenses que também se encontravam na região têm autorização para deixá-la.

Até nisto Israel e Estados Unidos são seletivos, com a situação indicando a absurda tentativa de punir o governo brasileiro por defender a paz.

Infelizmente aqui o lobby sionista e as igrejas neopentecostais por ele comandadas impedem que a realidade sobre a ação de Israel chegue à maioria da população.

Inimigos no plano empresarial, por exemplo, os irmãos Marinho, do grupo Globo, e o autointitulado bispo Edir Macedo, da TV Record, estão unidos na defesa do genocida governo de Netanyaru e do seu propósito de ocupar a Faixa de Gaza.

Esta é uma das razões pelas quais as manifestações pró-Palestina no Brasil ainda estão fracas, se comparadas ao que tem acontecido na Europa, nos Estados Unidos e na Ásia.

Neste final de semana, a maior delas aconteceu em São Paulo, mesmo que outras de menor porte tenham ocorrido em diversas capitais. Manifestações que a mídia corporativa ignora ou distorce.

Infelizmente, grande parte da juventude brasileira bem como os partidos progressistas e de esquerda ainda relutem em abraçar essa causa. Uma postura que pode ter graves consequências para o governo Lula e para o futuro imediato.

Ao contrário do que prévia o carniceiro Netanyaru, a causa palestina tem tudo para ser a parteira de um novo mundo, colocando fim à ordem profundamente injusta que se mantém há vários séculos.

Será que os setores progressistas e o próprio governo Lula, que nas relações internacionais sempre lutaram por isso, ficarão de fora?

O momento é de ação.

P.S. 1- O candidato peronista à presidência da Argentina, Sérgio Massa, abriu expressiva vantagem sobre Javier Milei, o extremista de direia na disputa pelo segundo turno, que acontece no próximo dia 19.

As porcentagens variam, mas é consenso na mídia argentina que Milei se perdeu nas promessas estapafúrdias que fez.

Assim os hermanos parecem próximos a dar uma tremenda lição nos brasileiros que se consideram espertos, mas não passam de “pelotudos” que caíram no conto de fardas de Bolsonaro.

P.S. 2 – Apenas dois países, Estados Unidos e Israel votaram contra o pedido do governo de Cuba para por fim ao embargo de que é vítima. Há mais de 60 anos, a Casa Branca impõe duras sanções econômicas à pequena ilha caribenha como retaliação por ela adotar o socialismo.

Claro que os Estados Unidos mentem quando procuram associar Cuba ao terrorismo ou a violações de direitos humanos. Mais ainda: se no passado isso colava, há décadas não cola mais.

Daí o isolamento dos Estados Unidos também nesta questão, com 187 países votando a favor de Cuba e ele vergonhosamente ao lado do governo terrorista de Israel.