Alex M. S. Aguiar

Em recente artigo publicado no The Lancet – Americas1, pesquisadores da Fiocruz, da UnB e da UFRJ identificaram que os municípios brasileiros que em 2018 se alinharam com o então candidato à presidência Jair Bolsonaro apresentaram as maiores taxas de mortalidade pela Covid-19, principalmente durante a segunda onda da epidemia, em 2021.

Segundo os autores, “enquanto a catástrofe da COVID-19 continua, o Brasil surgiu como um exemplo de como a falta de uma política pública de saúde robusta e a implementação de uma ativa campanha negacionista pode agravar os resultados de uma pandemia.” Apontam, nesse contexto, que “embora a população brasileira represente 2,7% da população mundial, o Brasil responde até agora por 8,15% dos casos da doença no mundo, e 11,55% das mortes causadas pela COVID-19.”

No artigo, são apontadas preliminarmente cinco razões que podem explicar por que a COVID-19 foi tão avassaladora no Brasil: (i) as desigualdades socioeconômicas históricas no país contribuíram diretamente para um impacto maior nas populações em situação de vulnerabilidade; (ii) o surgimento em Manaus, e a posterior disseminação de uma variante mais transmissível e que levou ao colapso do sistema de saúde em diversas localidades; (iii) o desinteresse da Administração Federal em implantar uma forte e coordenada ofensiva baseada em intervenções não farmacêuticas, tais como as medidas de isolamento social, o uso mandatório de máscaras, a realização extensiva de testes, e mesmo o rastreamento e o monitoramento de pessoas infectadas; (iv) a demora na implantação da campanha de vacinação; e (v) uma bem articulada campanha negacionista e de desinformação conduzida pela Administração Federal, e endossada pelas associações médicas com orientação política conservadora, que promoveram a automedicação com cloroquina e ivermectina, amplificando a severidade da COVID-19, em especial entre os mais idosos.

Os autores descrevem o artigo como um “estudo ecológico” no qual buscaram examinar porque municípios com similares níveis de desigualdades, de renda, e com as mesmas características nos serviços de saúde tiveram taxas de mortalidade da COVID-19 tão diferentes. Para isso os autores mencionam terem sido empregados indicadores contextuais, permitindo observar as características, o desenvolvimento e a qualidade dos serviços de saúde frente ao contexto político dos municípios. Foram analisados 472.634 óbitos de COVID-19 confirmados por testes laboratoriais com resultados positivos do teste quantitativo de RT-PCR para SARS-CoV-2, de 16 de fevereiro de 2020 a 17 de junho de 2021. A hierarquia urbana e as áreas de influência foram identificadas por meio da classificação de centros urbanos que possuem determinados equipamentos e serviços que atraem populações de outras localidades. O índice de desenvolvimento, IDH, de nível municipal foi calculado a partir de dados municipais sobre educação, renda e longevidade da mesma forma que o IDH, e a taxa de mortalidade infantil por causas evitáveis em crianças menores de 5 anos foi utilizada para demonstrar a qualidade da saúde local antes da pandemia COVID-19. Os dados das urnas eletrônicas do segundo turno da eleição presidencial de 7 de outubro de 2018 foram obtidos no Repositório de Dados Eleitorais do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), sendo que os dois candidatos que participaram deste segundo turno foram Fernando Haddad (Partido dos Trabalhadores) e o atual presidente brasileiro, Jair Bolsonaro (Partido Social Liberal, na época).

Os autores mencionam que “municípios com perfis socioeconômicos semelhantes podem ter sido diferentemente afetados pela pandemia, dependendo da administração local e do perfil ideológico da população que se reflete em sua escolha partidária, e que o comportamento de negação de uma população desinformada afetou muito o desfecho e se traduziu em óbitos. O contrário também é comprovado, pois os municípios, mesmo aqueles com condições de saúde mais deficientes, de menor renda e maior desigualdade conseguiram passar pela pandemia com menos danos.”

Na análise dos autores, “a falta de políticas integradas e a unidade nacional fizeram com que cada gestor local adotasse medidas que atendessem às suas necessidades políticas e econômicas locais. A descentralização das políticas para os governos municipais também afetou a infraestrutura de emergência da saúde.” Os autores estimam que “aproximadamente um quarto das mortes de COVID‐19 em hospitais poderiam ser reduzidas com a correta gestão dos recursos hospitalares, como realizado em Belo Horizonte.”

Por fim, em suas conclusões os autores afirmam que “os municípios que escolheram Bolsonaro como presidente do país apresentaram taxas de mortalidade do COVID-19 intensificadas na segunda onda. Esse comportamento pode ser explicado pelo fato de que quase um ano após a pandemia, o governo federal ainda se recusou a apoiar recomendações de distanciamento social e uso de máscaras faciais ou promoveu o tratamento precoce usando drogas meses antes. Isso impulsionou o comportamento de risco de pessoas alinhadas ao pensamento do presidente Bolsonaro, expondo-as ao COVID-19 e resultando em uma maior taxa de mortalidade. Assim, nossa análise demonstra que a escolha partidária foi um dos fatores que explicam por que os municípios brasileiros com as mesmas características de desigualdade, renda e serviços de saúde se comportaram de forma diferente na primeira e segunda ondas da pandemia COVID-19.”

O artigo comentado deixa mostras do quanto as posturas dos governos atuais – federal, estaduais e municipais – impactaram a mortalidade devido à COVID-19. São hoje no Brasil mais de 650 mil vidas interrompidas, em grande parte pelo descaso com o próximo, descaso esse daqueles sobre os quais a responsabilidade de prover atenção e cuidado à saúde tem definição constitucional. A História, certamente, julgará os culpados, mas esperamos que as urnas ainda esse ano façam o mesmo.

1 Disponível em https://www.thelancet.com/journals/lanam/article/PIIS2667-193X(22)00038-2/fulltext#%2


1 Comentário

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    Celso Luiz Alves, março 19, 2022 12:32 @ 12:32

    Excelente!

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