Ocorreu nesta quinta-feira passada, 24/02, uma audiência da Comissão Extraordinária de Privatizações da ALMG, requisitada pelos deputados estaduais Coronel Sandro (PSL) e Guilherme da Cunha (NOVO), na qual foram discutidos aspectos relacionados ao saneamento básico em Minas Gerais e ao PL 2884/2021, em trâmite naquela Casa. Participaram, como convidados, o diretor-geral da Arsae MG, reguladora da Copasa, Antônio Claret Filho, e a superintendente de saneamento da SEMAD Lilia Aparecida de Castro, representando a Secretaria Marília Melo. Os presidentes da Copasa e do Instituto Trata Brasil, também convidados, não compareceram.

Logo em sua fala inicial, o deputado Guilherme da Cunha se refere às outorgas apuradas nos leilões da Região Metropolitana de Maceió, em Alagoas e da CEDAE, no RJ, como “investimentos” resultantes da Lei 14.026/2020, que impõe a privatização do setor no país. Essas outorgas não podem ser entendidas como investimentos em saneamento. São recursos pagos pelas empresas que venceram os certames e que vão para o caixa dos estados, sem qualquer compromisso de sua aplicação no saneamento. A despeito disso, esses recursos não são pagos aos estados gratuitamente: eles serão incorporados e recuperados através das tarifas pagas pelos usuários dos serviços. Em suma, é um empréstimo feito pelos estados, mas quem paga são os cidadãos. Para o deputado do Partido Novo, que defende o estado mínimo e a privatização de todos os serviços públicos, parece que “investimento” se confunde com captura de recursos pelo estado.

Ainda no contexto dos investimentos, o deputado afirmou que para resolver os problemas de saneamento básico é preciso investimentos. Entretanto, o deputado não abordou como têm sido, por exemplo, os investimentos da Copasa sob a administração de Zema, seu correligionário. Não se sabe se o deputado desconhece, ou se preferiu não destacar que sob o governo de Zema a Copasa realizou entre janeiro de 2019 e setembro de 2021 R$1,44 bilhões de investimentos em seus serviços, correspondendo a uma média anual de R$524 milhões/ano. Esse montante representa apenas 54% dos investimentos realizados pela Copasa na gestão anterior, de Pimentel (PT), apresentando uma queda de 21% na média anual de investimentos da Copasa de Pimentel. Aliás, apenas para consolidar qual é o real entendimento do Partido Novo com relação a investimentos em saneamento, vale comparar a relação entre distribuição de lucros e investimentos das gestões Pimentel e Zema: na gestão petista, a distribuição de lucros aos acionistas da Copasa correspondeu a 39% do montante de investimentos realizados pela Companhia. Já no Governo Zema, a distribuição de lucros aos acionistas correspondeu a 106% dos investimentos realizados. Assim, sob o governo de Zema e do Partido Novo, foi priorizada a distribuição de lucros em detrimento dos investimentos, deixando claro que a manifestação do deputado de que para resolver o problema do saneamento é preciso investimento não vale para seu próprio Partido.

Também em sua fala inicial, o deputado Guilherme da Cunha enalteceu o desempenho da Arsae, mencionando a unificação das tarifas de esgotos da Copasa, afirmando que houve a remoção de um “subsídio perverso.” A afirmação do deputado, porém, merece ser questionada. Eis do que consistia o “subsídio perverso”: de acordo com a equipe técnica da Arsae, os custos dos serviços de coleta dos esgotos na Copasa corresponderiam a 68% daqueles com os serviços de água. Já os custos dos serviços de coleta e tratamento dos esgotos alcançavam 110% dos custos com os serviços de água. As tarifas cobradas até agosto de 2021 se diferenciavam em EDC (esgoto dinâmico coletado), sendo cobrado 25% do valor da tarifa de água; e EDT (esgoto dinâmico coletado e tratado), sendo cobrado 100% do valor da tarifa de água. Assim, pretendia-se cobrar menos pelos serviços de coleta como forma de incentivar a Copasa a investir na etapa de tratamento de esgotos em seus sistemas, de modo que ela teria a possibilidade de ampliar suas receitas oriundas dos serviços de esgotos. E o que fez a Arsae? Unificou a cobrança em 74% do valor da tarifa de água. Assim, continua o subsídio dos serviços de tratamento de esgotos, mas agora ampliados: mesmo custando 111%, eram cobrados 100% da tarifa de água, e agora passa a ser cobrado 74%. E para onde foi essa diferença? Foi para o valor da tarifa de água e, pasmem, para aqueles que sequer têm os serviços de tratamento de seus esgotos!

Em resumo, o que o deputado Guilherme da Cunha enaltece são, na verdade, três pontos: (i) pessoas que não recebem os serviços de tratamento dos esgotos passaram a pagar o mesmo valor pago por aqueles que recebem esses serviços; (ii) pessoas que residem em municípios onde a Copasa sequer opera o sistema de esgotos pagam por esse subsídio em suas tarifas de água; e (iii) pessoas que têm só coleta dos esgotos passem a pagar 74% do valor cobrado pela água, mesmo a equipe técnica da Arsae afirmando que os custos equivalem a 68% daqueles.

A representante da SEMAD mencionou a região dos vales doo Jequitinhonha e Mucuri como sendo regiões atendidas majoritariamente pela Copanor, que tem maior dificuldade de investimento. É preciso apontar qual é essa dificuldade: no ano de 2020, a Copasa de Zema investiu através da Copanor R$15 milhões em seus sistemas, e distribuiu aos acionistas nesse mesmo ano R$1,048 bilhões, o que representa 70 vezes o que investiu através da Copanor. Essa é a dificuldade de investimento – a opção por privilegiar a distribuição de dividendos aos acionistas, lembrando que pouco mais da metade dos valores distribuídos vão para o cofre do governo, acionista controlador da Copasa.

Essa audiência deixou clara a ideologia privatista e de estado mínimo dos representantes do governo de Zema e de seu Partido. Pior, deixou pairando a nítida impressão de que eles sequer sabem do assunto sobre o qual estão falando.