A Procuradoria-Geral da República (PGR) pretende apresentar várias denúncias ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra os 40 indiciados no inquérito do golpe. A estratégia envolve dividir as acusações conforme os núcleos da organização criminosa, que incluem o ex-presidente Jair Bolsonaro, os ex-ministros Braga Netto e Augusto Heleno, além de outros envolvidos. A divisão não seguirá necessariamente os nomes utilizados pela Polícia Federal (PF) no relatório final das investigações, mas visa facilitar a tramitação dos processos e acelerar o julgamento.
Segundo a PGR, o objetivo é apresentar as denúncias até março de 2024. Caso o cronograma se mantenha, o julgamento e a provável condenação de Bolsonaro devem ocorrer em 2025, antes do ano eleitoral de 2026. Atualmente inelegível até 2030, Bolsonaro busca manter sua influência política, planejando neutralizar possíveis candidatos como Tarcísio de Freitas (Republicanos) e lançar, no futuro, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP).
No relatório final da PF, o plano golpista foi dividido em seis núcleos de atuação:
Desinformação e Ataques ao Sistema Eleitoral
Incitação de Militares ao Golpe de Estado
Jurídico
Operacional de Apoio às Ações Golpistas**
Inteligência Paralela
Operacional para Medidas Coercitivas
Entre os envolvidos, alguns, como o tenente-coronel Mauro Cid e Braga Netto, aparecem em mais de um núcleo. Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, já firmou delação premiada, enquanto Braga Netto, figura central no governo Bolsonaro, está preso, acusado de obstruir investigações.
Apesar das expectativas em Brasília, ministros do STF avaliam que não há razões para decretar a prisão de Bolsonaro no momento, salvo tentativa de obstrução das investigações. No entanto, seu julgamento será conduzido pela Primeira Turma do STF, conhecida como “câmara de gás”, sob a relatoria de Alexandre de Moraes.
Em meio às denúncias, o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, reconheceu que o envolvimento de militares no caso gera constrangimentos. “Nós desejamos que todos os envolvidos respondam à Justiça. Isso é necessário para seguirmos adiante”, declarou Múcio após se reunir com o presidente Lula, no último dia 17, em São Paulo.
Quase dois anos após o ataque às sedes dos Três Poderes, em 8 de janeiro de 2023, uma pesquisa do Observatório da Democracia da Advocacia-Geral da União (AGU) e do Instituto Ipespe revelou preocupações com a estabilidade democrática no Brasil. Realizado entre 30 de novembro e 5 de dezembro com 3 mil pessoas, o estudo chamou a atenção do Planalto.
Entre os entrevistados, 70% afirmaram que a democracia está ameaçada, embora a considerem preferível a qualquer outra forma de governo. Além disso, 55% demonstraram insatisfação com o funcionamento democrático no país. O Congresso lidera a desconfiança nas instituições, com 78% de reprovação, seguido pelo governo federal (56%) e o STF (55%). Além disso, 59% acreditam que o Brasil esteve sob risco real de golpe.
Esses números refletem o ambiente polarizado que permeia as ações jurídicas e políticas relacionadas ao caso. Enquanto a PGR tenta evitar que o julgamento dos acusados se arraste por anos, como ocorreu no caso do mensalão, os advogados de defesa tendem a adotar estratégias para confundir os núcleos identificados pela PF, buscando deslegitimar as acusações.
Nos bastidores, advogados ensaiam argumentos que atribuem a culpa a delatores ou defendem a tese da “traição” entre os próprios indiciados. Essa narrativa pode dificultar o trabalho de acusação, mas especialistas avaliam que o fatiamento das denúncias pode garantir maior celeridade ao julgamento.
A PGR, por sua vez, quer evitar que o processo se torne um longo embate político e jurídico, mirando em punições exemplares antes das eleições de 2026. No entanto, o cenário ainda reserva incertezas, com indícios de que os desdobramentos do caso possam alimentar narrativas de uma “terceira via” dentro da tentativa de golpe.
Enquanto isso, a sociedade brasileira permanece dividida, acompanhando os desdobramentos de um episódio que colocou à prova as instituições democráticas do país. A busca por respostas e pela responsabilização dos envolvidos será decisiva para a reconstrução da confiança pública no sistema político e na Justiça.
Foto: João Américo