O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou o compartilhamento de um relatório do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) com o Congresso Nacional e órgãos de controle, como a Controladoria-Geral da União (CGU) e o Tribunal de Contas da União (TCU). O documento aponta indícios de crimes como peculato-desvio, prevaricação e corrupção, ocorridos na base da Operação Lava Jato.
O relatório, elaborado pela Corregedoria do CNJ, analisou ações envolvendo a 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba, liderada pelo ex-juiz Sérgio Moro, e gabinetes da 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), em Porto Alegre. Entre as principais acusações está a suspeita de desvio de R$ 2,5 bilhões, vinculados ao acordo de leniência da Petrobras, que teriam sido destinados à criação de uma fundação ligada à Lava Jato.
Além do relatório do CNJ, Toffoli anexou à documentação uma petição da J&F Investimentos, que alega uma “parceria escusa” entre o Ministério Público Federal (MPF) e a Transparência Internacional. Segundo a J&F, essa colaboração visava a gestão de R$ 2,3 bilhões do acordo de leniência da empresa, algo que a Transparência Internacional nega categoricamente.
Em nota, a Transparência Internacional afirmou que nunca recebeu recursos de acordos de leniência no Brasil e classificou as acusações da J&F como “atos reconhecidamente falsos”. A organização destacou que sua atuação se limitou à elaboração de estudos técnicos sobre transparência e governança, sem envolvimento na gestão de recursos. “Há uma clara tentativa de distorcer os fatos e o papel da Transparência Internacional“, afirmou.
O relatório do CNJ aponta que, entre 2016 e 2019, Sérgio Moro, a juíza Gabriela Hardt e o ex-procurador Deltan Dallagnol teriam promovido desvios por meio de “atos comissivos e omissivos”. A Polícia Federal sustenta que Moro iniciou processos sigilosos para direcionar parte das multas da Petrobras, enquanto Hardt homologou, em 2019, o acordo que previa a criação da polêmica fundação Lava Jato. O STF posteriormente barrou a fundação.
Segundo a investigação, esses recursos, originalmente destinados à Petrobras como compensação por danos de corrupção, teriam sido direcionados para alimentar uma plataforma política de integrantes da força-tarefa. Moro rebateu as acusações, classificando-as como “mera ficção”.
Toffoli encaminhou o relatório para a CGU, o TCU, o Ministério da Justiça e Segurança Pública, além das presidências da Câmara e do Senado. A Procuradoria-Geral da República (PGR) também recebeu os documentos e pode abrir investigações sobre as hipóteses criminais identificadas.
O CNJ considerou que o conteúdo levantado deveria ser analisado pela PGR, caso ela julgue pertinente investigar os ilícitos. Entre os achados, destacam-se cinco hipóteses criminais que apontam conluio entre Moro, Dallagnol e Hardt, com o objetivo de gerir os valores de forma questionável.
A Transparência Internacional destacou que, em outubro, a PGR arquivou uma investigação contra a organização com base nas mesmas alegações feitas pela J&F, indicando a ausência de fatos concretos para sustentar as acusações. Apesar disso, a J&F voltou a reiterar suas alegações, o que a Transparência Internacional classificou como uma “campanha de difamação e assédio judicial”.
O documento do CNJ apresenta uma cronologia dos eventos que levantam suspeitas sobre a conduta dos integrantes da Lava Jato. A investigação aponta que os envolvidos já tinham conhecimento de apurações internacionais sobre a Petrobras e buscavam direcionar os recursos das multas. Essas movimentações foram consideradas graves o suficiente para motivar novas investigações por parte das autoridades brasileiras.
A criação da fundação Lava Jato, que nunca saiu do papel, continua sendo um ponto central das acusações. A homologação do acordo que previa sua criação foi um dos fatores que levou ao afastamento da juíza Gabriela Hardt, ainda que essa decisão tenha sido posteriormente revertida pelo CNJ.
A decisão de Toffoli de compartilhar o relatório com o Congresso e órgãos de controle deve acirrar os debates sobre a Lava Jato e seus desdobramentos. O conteúdo do documento reforça as críticas de que a operação ultrapassou limites éticos e jurídicos, transformando-se em uma plataforma de poder para seus integrantes.
Enquanto isso, a Transparência Internacional segue defendendo sua atuação, reiterando que sua colaboração com o MPF foi formal, pública e restrita à produção de estudos técnicos. A organização também enfatiza que as alegações contra ela já foram desmentidas por autoridades brasileiras, incluindo a PGR.
Com as novas informações divulgadas, o caso promete gerar intensos debates políticos e jurídicos nos próximos meses, reacendendo as polêmicas em torno da Lava Jato e de seus principais personagens.
Foto: Andressa Anholete/STF