Heitor Villa-Lobos, um dos integrantes da Semana de Arte Moderna de 1922, foi o compositor tido como “criador” e ícone da “musicalidade brasileira”. Isso porque, antes dele, o ideal artístico para os intelectuais, era a reprodução da música clássica europeia, ao invés da preocupação com uma manifestação genuinamente nacional.Claro, tudo isso é muito questionável e iremos conversar mais ao longo do texto.

Nascido no Rio de Janeiro, em março de 1887, um ano antes da abolição da escravidão e dois anos antes da derrubada da monarquia, Villa-Lobos teve uma vida digna de filme. Frequentou classes sociais diversas, estados, países e ritmos. Isso até ser considerado a “mente mais criativa do século XX na música brasileira” ou “o compositor mais conhecido da América do Sul, de todos os tempos”.

Filho de Raul Villa Lobos, funcionário da Biblioteca Nacional e músico amador, e de Noêmia Villa-Lobos, o compositor frequentou o circuito de intelectuais da época.

Recebia muitos músicos em casa, durante a infância, por conta do pai. Estou e executou – por exigência do pai – com excelência a música clássica europeia.

Infância e contexto histórico

Villa, como gostava de ser chamado, teve uma educação positivista. No entanto, era considerado um menino rebelde. Para ir trabalhar tranquilamente, o pai dele, por diversas vezes, o acorrentava em casa para que não fugisse para a rua.

E essas fugas tinham um mesmo objetivo. Na época, a família estava refugiada em Minas Gerais, pois Raul havia criticado Floriano Peixoto (o Marechal ditador, presidente do Brasil). E Heitor sempre escapava para participar das rodas de violas, que aconteciam diariamente.

Depois que Floriano “deixou o cargo”, a família Villa-Lobos pôde voltar ao Rio. Raul, no entanto, logo morreu de câncer. E Noêmia conseguira um emprego na Confeitaria Colombo, reduto intelectual do país.

Heitor também aproveitava os horários de trabalho da mãe para fugir de casa e participar das rodas de choro, que aconteciam praticamente em todas as esquinas.

Essas fugas, posteriormente, foram fundamentais para que Heitor pudesse revolucionar a música brasileira.

A “música brasileira”

Veja, aqui já é possível notar que havia música brasileira por todos os lados. Acontece que o violão, na época, era considerado um instrumento de marginalizados. Até chegava a ser criminalizado. Villa-Lobos, então, precisava fugir de casa para ter contato com as rodas de violas e choro.

Os intelectuais e nobres simplesmente não reconheciam esses estilos musicais. Só tinham ouvidos para a música clássica formatada pelos europeus. E aqui entra o grande ponto de crítica. É preciso ter cuidado ao creditar – como acontece algumas vezes – Heitor Villa Lobos como “inventor” da música brasileira.

A busca por valores nacionais

Villa e todos os outros modernistas, cresceram num país dominado pelo positivismo da Primeira República Brasileira (1889-1930). Além da educação militar e da objetivação do progresso, havia a busca por valores nacionais, que dessem significado à pátria Brasil.

E houveram alguns pioneiros nesse sentido, como Olavo Bilac e Aluísio Azevedo na literatura. E, na música, o cearense e compositor Alberto Nepomuceno. Todos almejavam uma arte nacionalista, mas não propuseram grandes rupturas com a estrutura europeia, além da língua e da narrativa.

No entanto, Villa fez uma grande revolução na música clássica brasileira. Ele foi quem conseguiu sintetizar, na prática, o pensamento desses músicos e compositores. E acabou sendo considerado modernista, mesmo sem querer.

Compositor que absorveu o Brasil

Villa realmente foi um gênio. Ele conseguiu absorver diversos aspectos da cultura brasileira na sua música clássica e, além disso, convenceu o mundo inteiro de que isso era bom!

O compositor viajou o Brasil e se apaixonou pela musicalidade de cada região, de cada povo originário (africanos e indígenas). Adorava os instrumentos percussivos e ia adicionando tudo isso às suas composições. Naquela época ninguém fazia isso.Apenas o erudito era permitido.

Ele recusava o título de integrante de qualquer movimento. Mas em 1922 fez parte da Semana de Arte Moderna, onde se juntou com artistas que, em cada linguagem artística, também eram “esponjas” da cultura brasileira e sintetizaram isso em suas obras. E lá, as composições foram interpretadas quase todos os dias.

Talvez, a obra mais marcante tocada tenha sido “Danças Africanas”. Uma sinfonia linda e que representa muito bem a diversidade que habitava o compositor.

Era Vargas e a SEMA

Além de uma carreira com mais 1.056 obras classificadas, Villa foi responsável pela Superintendência de Educação Musical e Artística (SEMA), onde implementou seu ideal de formação nas escolas brasileiras.

Getúlio Vargas, ditador nacionalista, tinha muito interesse nessa propaganda da “invenção da música brasileira”. Então incentivou bastante o trabalho de Villa Lobos e até o colocou nessa superintendência musical.

Heitor foi mestre de muitos compositores brilhantes. Talvez, o mais consagrado seja o grande Tom Jobim, que tornou o pensamento de Villa ainda mais popular o expressando e sintetizando na MPB.

Portanto, não há quem discorde da genialidade e importância de Villa Lobos. Ele também foi responsável pela exportação da música brasileira para todo o mundo, que o admirava. Porém é preciso tomar cuidado ao classificá-lo como “o descobridor”,“criador” ou algo do gênero. O chorinho, o samba-canção, as rodas de violas e diversas outras manifestações já existiam, apenas não eram reconhecidas.

Fonte: Adonai Elias – Culturadoria