Um relatório da Controladoria-Geral da União (CGU), enviado ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Flávio Dino, trouxe à tona uma série de problemas relacionados à utilização de emendas parlamentares em diversos municípios brasileiros, com destaque para a falta de priorização das necessidades locais e os frequentes atrasos em obras financiadas com esses recursos. O documento aponta falhas graves no processo de destinação das chamadas emendas de relator e de comissão, além de problemas de transparência e ineficiência na execução dos projetos.
O município de Pracuúba, localizado no Amapá, foi destacado no relatório como um exemplo claro de que as reais necessidades dos municípios não foram devidamente consideradas no processo de alocação dos recursos provenientes das emendas parlamentares. A CGU observou que a prioridade no repasse das emendas não foi dada aos municípios com maiores demandas, mas sim aos que têm maior proximidade política com os parlamentares que detêm controle sobre esses recursos.
As emendas de relator, que foram amplamente utilizadas durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro como uma ferramenta para angariar apoio no Congresso, foram vetadas pelo STF em 2022 devido a preocupações com falta de transparência e controle. No entanto, uma parte significativa desses recursos foi redirecionada para as chamadas emendas de comissão, que têm crescido nos últimos anos e seguem sendo usadas com os mesmos fins.
Flávio Dino, relator das ações no STF que questionam a transparência na alocação de emendas, determinou à CGU a criação de uma lista com os dez municípios que mais receberam emendas per capita entre 2020 e 2023, e ainda ordenou que técnicos realizassem visitas a essas cidades para inspecionar o uso dos recursos. O levantamento revelou que cidades do Amapá, em especial as que receberam emendas do senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), dominam o ranking.
As emendas parlamentares, um mecanismo que permite que deputados e senadores direcionem verbas para projetos e obras em suas bases eleitorais, têm sido amplamente criticadas pela falta de priorização das regiões com maior necessidade. O foco, segundo o relatório da CGU, tem sido o atendimento a redutos eleitorais dos parlamentares, o que contribui para a disparidade na alocação dos recursos.
De acordo com a CGU, 43% das obras financiadas por emendas de relator ou de comissão não foram sequer iniciadas. Dos 98 projetos analisados, 42 estavam parados, 9 estavam interrompidos, 36 em fase de execução e apenas 11 foram concluídos. A CGU destacou ainda que muitos municípios carecem de ferramentas adequadas de transparência, dificultando o controle público sobre os recursos e a eficiência da gestão. O relatório enfatiza que “a maioria dos municípios não possui mecanismos que assegurem a publicidade e transparência dos dados, limitando o controle institucional e social sobre o orçamento público”.
Além das obras atrasadas, a CGU identificou uma série de irregularidades nas práticas de gestão dos recursos, incluindo a ausência de uma definição clara das prioridades dos municípios. O relatório afirma que “há pouca evidência de que as demandas feitas pelos prefeitos, formal ou informalmente, partam de uma avaliação real das necessidades locais”. Isso sugere que as emendas têm sido usadas para fins políticos, sem levar em consideração as verdadeiras carências das regiões.
O documento foi elaborado em resposta a uma determinação feita por Flávio Dino em 1º de agosto, que exigiu que a CGU apresentasse os dados sobre os dez municípios mais beneficiados por emendas parlamentares. Além disso, o ministro concedeu 90 dias para que o órgão realizasse uma auditoria completa dos repasses de emendas a ONGs e entidades do terceiro setor entre 2020 e 2024. As ONGs que recebem recursos oriundos de emendas parlamentares também terão que seguir novos procedimentos de contratação de empresas, garantindo a transparência e a rastreabilidade dos fundos utilizados.
Em paralelo, Dino determinou que a CGU realizasse uma auditoria sobre as chamadas emendas Pix, uma modalidade de emendas individuais que aceleram o envio de recursos diretamente para os cofres de prefeituras de aliados políticos. O ministro condicionou a liberação desses recursos ao cumprimento de critérios rígidos de transparência e rastreamento, visando evitar fraudes e má utilização dos fundos públicos.
Recentemente, houve um acordo entre membros do STF, do Congresso e do governo Lula para tentar amenizar as tensões em torno das investigações sobre a transparência nas emendas parlamentares. Dino concedeu mais dez dias, a partir do dia 29 de agosto, para que os três Poderes apresentem propostas de mudança nas regras de distribuição dessas verbas, com o objetivo de garantir maior eficiência e transparência no uso dos recursos públicos.