A cúpula das Forças Armadas optou por se manter afastada das discussões em curso no Congresso Nacional sobre uma possível anistia aos acusados pelos ataques do 8 de Janeiro de 2023 e pela tentativa de golpe de Estado. A decisão, tomada de forma unânime entre altos oficiais, reflete a preocupação de que o perdão seja interpretado como um incentivo à indisciplina militar e uma espécie de recompensa àqueles que afrontaram a hierarquia institucional.

Sete generais e dois integrantes do Ministério da Defesa ouvidos pela reportagem avaliam que uma anistia ampla e irrestrita poderia beneficiar inclusive oficiais acusados de tramar diretamente contra os comandantes militares ou de participar de conspirações golpistas. Entre os citados está o general da reserva Mario Fernandes, acusado de planejar o assassinato de autoridades, e o ex-ministro Walter Braga Netto, também general da reserva, que teria orientado ataques aos comandantes das Forças Armadas.

No radar das investigações está ainda o tenente-coronel Rafael Martins de Oliveira, suspeito de envolvimento em uma operação clandestina contra o ministro Alexandre de Moraes, além do coronel José Placídio dos Santos, condenado por incitar a insubordinação. Para oficiais da ativa, o perdão colocaria no mesmo patamar militares que participaram diretamente dos atos e outros que sequer tiveram envolvimento ou serão eventualmente absolvidos.

A orientação geral dentro das Forças é aguardar o desenrolar dos processos no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Congresso antes de adotar medidas disciplinares internas. A avaliação predominante é que o devido processo legal, com direito à ampla defesa, levará à condenação de alguns militares e à absolvição de outros, especialmente os que, embora próximos a lideranças golpistas, não teriam participado diretamente dos crimes.

Apesar da postura de reserva em relação ao debate político, há desconforto na caserna com o rigor das penas impostas pelo STF. Diante disso, líderes do Congresso articulam com o Supremo uma proposta para reformular a Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito, visando reduzir as punições aplicadas aos envolvidos nos atos do 8 de Janeiro.

Nesse contexto, os comandantes das Forças, general Tomás Paiva (Exército) e almirante Marcos Olsen (Marinha), reuniram-se com os presidentes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP). Os encontros, considerados protocolares, ocorreram no início do ano e trataram principalmente de questões orçamentárias e estruturais das Forças Armadas, como a tramitação de uma PEC sobre previsibilidade de recursos no Senado.

A Marinha também discutiu com Alcolumbre os impactos do reconhecimento, pela ONU, da ampliação do território marítimo brasileiro na Margem Equatorial, próxima ao Amapá, uma área estratégica e rica em petróleo, cuja exploração passa a estar sob soberania brasileira.

O ministro da Defesa, José Mucio Monteiro, tem demonstrado desconforto com o envolvimento de militares nos episódios investigados. Segundo ele, a exposição progressiva dos nomes de oficiais ligados a articulações golpistas gerou constrangimento nas Forças. “O militar lamenta quando vê um colega indiciado. Primeiro vem o constrangimento, depois a indignação, pois comprometem a imagem de uma instituição que precisa ser preservada”, afirmou Mucio em evento promovido pelo grupo Lide.

Até o momento, a Procuradoria-Geral da República (PGR) denunciou 24 militares por envolvimento na tentativa de golpe. Entre eles estão sete oficiais-generais, incluindo nomes do topo da hierarquia das Forças Armadas, como os ex-comandantes Paulo Sérgio Nogueira (Exército) e Almir Garnier (Marinha), além de Augusto Heleno, Estevam Theophilo e Braga Netto.

Apesar do peso das acusações, o procurador-geral Paulo Gonet frisou que o Exército, como instituição, foi vítima da conspiração. Em sua denúncia, ele relatou que os conspiradores buscaram constantemente o apoio das Forças, e que os generais que resistiram às pressões foram alvos de campanhas públicas de difamação, com ataques estendidos inclusive aos familiares desses oficiais.

Além dos generais, militares de patentes inferiores também foram denunciados por envolvimento direto nos atos de vandalismo de 8 de janeiro. Um dos casos mais emblemáticos foi o do suboficial da reserva Marco Antônio Braga Caldas, da Marinha, que acabou condenado a 14 anos de prisão pelos crimes cometidos durante os ataques às sedes dos Três Poderes, em Brasília.

Foto: Pedro Ladeira

 


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