Marco Aurélio Carone
A recente solicitação da Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa) ao Grupo de Controle de Vazão do Alto Rio das Velhas (Convazão) para liberação de água acumulada nas lagoas pertencentes à AngloGold Ashanti, com o objetivo de garantir a vazão do Rio das Velhas, escancara uma incoerência preocupante por parte do Governo de Minas Gerais. Apesar de ser a concessionária responsável pelo abastecimento de água na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), a Copasa recorreu a manobras que evidenciam a negligência na gestão dos recursos hídricos da região.
O Rio das Velhas, que abastece cerca de 46% da população da RMBH, é de fundamental importância para a segurança hídrica da capital e seu entorno. No entanto, a Copasa solicitou à AngloGold Ashanti a liberação de água dos reservatórios privados das lagoas Miguelão, Codornas e dos Ingleses, localizadas em Nova Lima, para aumentar a vazão do rio durante o período de estiagem. É importante destacar que, mesmo sendo de propriedade de empresas privadas, as lagoas da região fazem parte de um sistema hídrico que deveria ser integralmente monitorado e administrado pela Copasa e pelo Governo de Minas Gerais, considerando sua função essencial no abastecimento de água pública.
O Convazão, grupo composto por usuários do Alto Rio das Velhas, como AngloGold Ashanti e Copasa, bem como representantes da Diretoria do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas (CBH) e do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam), foi o fórum utilizado para articular essa manobra. No entanto, a atuação conjunta dessas entidades reforça uma contradição: enquanto o governo alega estar preocupado com a segurança hídrica da região, delega a responsabilidade de fornecer água para o abastecimento público a empresas privadas, ignorando a gestão efetiva dos recursos hídricos da própria região metropolitana.
As represas usadas para garantir a vazão do Rio das Velhas são estratégicas para o ecossistema e para o abastecimento humano. Sendo assim, a Copasa, como responsável pela água na RMBH, deveria ter o controle e planejamento adequado dessas reservas, sem depender de liberações emergenciais por parte de empresas privadas. Essa dependência revela um despreparo na gestão dos recursos hídricos, deixando claro que o governo está terceirizando suas responsabilidades em vez de assumir um papel ativo e preventivo.
Além disso, o discurso da Copasa sobre a construção de um novo reservatório de água na Bacia do Rio das Velhas, cujo projeto ainda está em fase inicial, evidencia a falta de planejamento e a demora em tomar medidas estruturais que garantam a segurança hídrica da região. A ausência de prazos concretos para o início das obras do reservatório demonstra que o governo está priorizando medidas paliativas, como a liberação de águas de empresas privadas, em vez de investir em soluções definitivas e autossuficientes.
Outro ponto que levanta questionamentos é o fato de o Governo de Minas ter anunciado ações complementares para evitar o desabastecimento de água na Grande BH, mas ainda assim recorre a medidas emergenciais que dependem da boa vontade de empresas como a AngloGold Ashanti. O uso das lagoas privadas mostra que a estrutura pública não está sendo suficiente para assegurar o abastecimento contínuo de água, algo fundamental em um cenário de mudanças climáticas e estiagens prolongadas.
O impacto dessa gestão desorganizada é sentido diretamente pela população, que corre o risco de ficar sem acesso a água em momentos de crise, apesar de a região ser rica em recursos hídricos. O uso inadequado das lagoas e a dependência de manobras emergenciais para garantir a vazão de rios essenciais para o abastecimento deixam claro que o governo precisa rever sua política de gestão hídrica urgentemente.
Enquanto isso, Minas Gerais enfrenta uma crise hídrica, com várias cidades já sofrendo com a escassez de água. As mudanças climáticas agravam ainda mais esse cenário, e as previsões indicam que o problema tende a piorar nos próximos anos. No entanto, a resposta do governo estadual, por meio da Copasa, tem sido insuficiente e marcada por decisões reativas, ao invés de preventivas, o que revela uma profunda incoerência em sua política de gestão de recursos hídricos. A situação exige um planejamento de longo prazo, que assegure o uso sustentável das águas da região e garanta o abastecimento à população, sem depender de soluções momentâneas e frágeis.