Alex M. S. Aguiar (*)

(*) Engenheiro civil, mestre em saneamento (UFMG), ex-diretor técnico da Copasa, membro do Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento – ONDAS.

Em julho de 2020 foi aprovada no Congresso a Lei 14.026, trazendo mudanças significativas ao cenário de prestação dos serviços de saneamento básico no país. Dentre essas mudanças destaca-se o fim dos chamados contratos de programa, modalidade de instrumento legal pelo qual os municípios autorizam o estado e as companhias estaduais a prestarem os serviços – geralmente abrangendo os serviços de abastecimento de água e de esgotamento sanitário.

Com a vedação a esses contratos, as companhias estaduais, tais como a Copasa em MG, só poderão firmar novos contratos se decorrentes de processos licitatórios, competindo com prestadores privados. Se em tese essa condição de maior competição soa favorável ao consumidor, na prática ela induz à transferência da prestação dos serviços aos operadores privados, podendo, com isso, significar riscos de aumentos tarifários e de exclusão de pessoas do acesso à água potável e ao esgotamento sanitário, direitos humanos consagrados pela ONU em 2010, com anuência do Brasil e de outros 121 países.

Toda a articulação política que culminou na aprovação dessa Lei pelo Congresso se deu exaltando o vergonhoso déficit dos serviços de saneamento no país: cerca de 30 milhões de pessoas sem acesso à água potável, e 100 milhões de pessoas sem acesso aos serviços de esgotamento sanitário. Entretanto, a associação deste déficit a uma suposta ineficiência das empresas públicas, ou mesmo ao modelo de gestão pública desses serviços pareceu ter sido apenas um atalho para fazer prevalecer a ideologia do estado mínimo, com mais uma rendição ao lobby privatista.

No caso de Minas Gerais, não faltam reclamações à Copasa, existentes em praticamente todos os municípios onde ela presta serviços. Podemos fazer filas de prefeitos insatisfeitos, acuados pela pressão de seus eleitores, em algum momento vítimas do descaso da Copasa em resolver seus problemas e/ou suas necessidades. Seria mesmo a Copasa ou sua gestão pública ineficiente a ponto de justificar tais queixas?

Desde 2006, quando lançou ações na Bovespa, a Copasa tem tido uma gestão privada: os objetivos de obter resultados financeiros positivos e remunerar seus acionistas têm sobrepujado as metas de universalizar o saneamento onde presta serviços. Na Copasa de Zema, essa característica foi levada ao extremo: em 2020, apesar de ter auferido um lucro de R$816 milhões, os acionistas da Copasa – dos quais o estado é o majoritário, com 50,04% das ações – receberam R$1,048 bilhões em dividendos – quase 30% mais do que foi o lucro naquele exercício. Em contrapartida, os investimentos realizados pela Copasa naquele ano somaram apenas R$342 milhões, menos de um terço dos recursos que foram repassados aos acionistas.

Fica evidente que não se avança rumo à universalização dessa maneira. É preciso ter em mente que a definição do patamar de distribuição de lucros, assim como o planejamento dos investimentos da Copasa, é atribuição exclusiva de sua alta direção – Conselho de Administração e Diretoria Executiva – cujos membros são escolhidos pelo governo do estado, acionista controlador da empresa. Assim, esses parâmetros são o espelho das políticas e dos objetivos do Governo Zema. E decerto constam desses objetivos a sangria dos recursos da Copasa para aliviar o déficit fiscal do estado.

Sem investimentos, os serviços não melhoram, não expandem, e perdem qualidade, fomentando as queixas da população, e pavimentando o caminho para prosperar a ideia de estado mínimo de Zema. A ineficiência da Copasa, então, não é técnica: não são seus engenheiros, seus técnicos, seus operadores e todos os empregados das inúmeras categorias profissionais que constituem os quase 12 mil funcionários da empresa os responsáveis pela falta de investimentos da empresa. Não são eles os responsáveis pelas constantes interrupções no abastecimento, pelas extravasões de esgotos que contaminam o ambiente, e mesmo pela baixa eficiência dos sistemas de tratamento. Todos esses problemas se originam na forma e nos propósitos que constituem a gestão da Companhia, sendo essa definida pelo seu dono: o Governo Estadual.

Logo, não temos uma Copasa ineficiente, mas temos tido governos inoperantes, incapazes de enxergar a importância dos serviços de saneamento na vida das pessoas, individual e coletivamente, e nas cidades, como instrumento promotor de desenvolvimento, de saúde e de qualidade de vida. E certamente isso não será modificado em um cenário de prestação dos serviços por uma empresa privada.

Com a promulgação da Lei 14.026/2020, o caminho de uma privatização em massa no saneamento do país está traçado. Infelizmente para nós, mineiros, temos um governo que corrobora essa visão privatista, e que certamente vai trazer risco de manutenção do acesso à água e ao esgotamento sanitário a mais de seis milhões de mineiros e mineiras, ou 32% da população do estado, que se encontram em situação de vulnerabilidade financeira. Para esses, o futuro do saneamento em Minas Gerais pode estar se configurando em algo excludente e socialmente injusto.

 


1 Comentário

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    SocorroBrasil, fevereiro 21, 2022 10:19 @ 10:19

    Parabéns. Alex descreveu perfeitamente. Só completo que o modelo de gestão existente na COPASA do Zema é o mesmo ou pior com as empresas privadas e já temos dois casos em que demonstram a piora Para de Minas onde a tarifa teve quase 20% de reajuste, muito acima da inflamação e Ouro Preto em que a empresa já está descumprindo o contrato de concessão, não esquecendo também que em Tocantins a Saneatins devolveu para o Estado os municípios deficitários.

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