Uma nota técnica da Consultoria de Orçamentos do Senado aponta que o projeto de lei aprovado pela Câmara dos Deputados, que supostamente busca aumentar a transparência das emendas parlamentares, não atende a “praticamente nenhuma das exigências colocadas” pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O estudo de 112 páginas afirma: “De 14 critérios e parâmetros identificados, apenas 3 deles são atendidos substancialmente pelos dispositivos do projeto e, ainda assim, esses dois quesitos já constam dos normativos vigentes”.
Em agosto, o ministro Flávio Dino, do STF, suspendeu o pagamento das emendas parlamentares e exigiu mais transparência do Congresso. Para liberar os recursos, a Câmara aprovou um projeto de lei na semana passada, que foi incluído na pauta do plenário do Senado nesta quarta-feira (13). O parecer do relator atual, senador Ângelo Coronel (PSD-BA), ainda não foi divulgado.
Segundo a nota técnica do Senado, “apesar dos protestos retóricos de diversos artigos do projeto, permanecem desatendidas as duas lacunas fundamentais apontadas nas decisões judiciais: a rastreabilidade na origem das emendas coletivas (e respectivas indicações) e na execução das transferências especiais (’emendas Pix’)”.
A nota da Consultoria de Orçamentos, Fiscalização e Controle do Senado foi elaborada a pedido do senador Flávio Arns (PSB-PR) com base no texto aprovado pela Câmara. O documento foi disponibilizado aos parlamentares na segunda-feira (11) e obtido pela reportagem.
Pelo projeto, as “emendas Pix” continuarão sendo repassadas diretamente aos cofres das prefeituras. Embora o PL obrigue o parlamentar a informar o objeto (ou seja, como o dinheiro deve ser gasto), não há controle ou prestação de contas após o envio, o que não garante que o prefeito aplicará o recurso conforme indicado.
As emendas são um mecanismo pelo qual deputados e senadores direcionam recursos para obras e projetos em suas bases eleitorais, ampliando seu capital político. A prioridade do Congresso tem sido atender a seus redutos eleitorais, em vez de localidades com maior demanda no país.
Na avaliação da Consultoria do Senado, o projeto também não assegura, de fato, que as obras inacabadas terão prioridade. “Se não há nenhuma medida concreta para que essa intenção se converta em realidade, não há qualquer modificação factual na atual realidade e, portanto, esse dispositivo do acordo permanece letra morta”, destaca o texto.
O projeto de lei também não melhora a transparência das emendas de comissão, que foram ampliadas pelo Congresso após o fim das emendas de relator em 2022. Em teoria, as emendas são definidas hoje pelas comissões temáticas da Câmara e do Senado. Na prática, deputados e senadores influentes escolhem para onde o dinheiro será destinado, mas acabam ocultos.
Segundo a consultoria do Senado, o projeto inovou, sem justificativa, ao estabelecer que as comissões devem aprovar as indicações das lideranças partidárias, assumindo assim um “papel meramente homologatório”.
Para aumentar a influência do governo federal e evitar a pulverização de recursos, o Supremo exigiu que as emendas de comissão sejam destinadas a projetos de interesse nacional ou regional, definidos em comum acordo entre Legislativo e Executivo. De acordo com a nota técnica, ao não determinar o que se entende por interesse nacional ou regional, o projeto “permite a priori que qualquer alocação seja considerada válida a esse título (mesmo que seja uma obra de âmbito tipicamente municipal)”.
Na visão da Consultoria do Senado, o projeto de lei não cumpre ainda o acordo firmado pelo Congresso com o Supremo sobre as emendas de bancada estadual, que deveriam ser indicadas conjuntamente pelos deputados federais e senadores de cada estado e do Distrito Federal.
O estudo afirma que o projeto de lei não impede a individualização das emendas — como exigido pelo STF — e repete essa expressão apenas “como norma programática”. O PL, segundo a nota, também define projetos “estruturantes” de forma ampla, o que permite “praticamente qualquer tipo de gasto”.
Fotos: Gustavo Moreno/STF