Aprendi, desde cedo, a diferença entre informação e conhecimento. No mundo dos negócios, particularmente no terreno comercial pedregoso, das obras de engenharia de grande envergadura, onde, dentre outras questões relevantes, o pisar e o andar são movimentos garantidores de sobrevivência, que o conhecimento está sempre fincado na vivência, na experiência e na aprendizagem. Quanto à informação, esta, sim, que processa dados sobre alguém ou algo específico, pode, a partir do conhecimento, mudar o rumo das coisas. Com o campo mapeado e identificados os atores capazes de encenar a peça por inteiro e dar à mesma o almejado final, então o rumo aparece no cenário conforme o esperado. Na obra Leviatã, de Thomas Hobbes, de 1668, a frase “informação é poder” surge pela primeira vez, sob a forma “scientia potentia est”, citação que ganhou o mundo e avançou pelo tempo afora. Escutei muitas vezes esta frase, dita por Laerte Rabello, da Norberto Odebrecht, com quem convivi em décadas passadas. Laerte era figura atípica, de biotipo endomorfo, atarracado, não ligava para o trajar, se comunicava através de linguajar direto e mediante poucas mesuras. Viajava bastante e levava, sempre à mão, maleta de couro desgastado e com algum trajo de roupa sobrando pelas laterais, veste que poderia ser tanto um pé de meia ou alguma peça íntima. Mas, desmazelo à parte, Laerte era ímpar e grande multiplicador de negócios rentáveis. Certa feita recebi pedido do Márcio Manata, velho amigo, para agendar com o Laerte encontro de executivo de suas relações de amizade ( dele ) e residente em São Paulo, visando “o encaminhamento de uma excelente oportunidade de conquista de contrato de alto valor”. Laerte viajou de Salvador para São Paulo e eu parti de Belo Horizonte, ambos com destino ao referido encontro. Nosso anfitrião, que eu conhecia superficialmente, nos recebeu com estilo e, ato contínuo, mediante desculpas, pediu que a reunião fosse particular, apenas entre ele e o Laerte, descortesia para comigo. A conversa durou cerca de 40 minutos e, de saída, no elevador, perguntei ao Rabello qual o tema secreto da reunião reservada, e o Laerte respondeu: “o cara me entregou currículo e pediu emprego na empresa, alegando estar em condições de carrear para o nosso grupo um grande negócio”. Marinheiro de poucas viagens, à época, fiquei mal no filme, por não ter buscado a informação correta e ter me deixado levar apenas pelos ímpetos do Manata, sequioso de socorrer um amigo paulistano, em dificuldades, no caso, o Junqueira… fica aqui o sobrenome. Mas, felizmente, o fato foi logo superado por eventos subsequentes, tão carreados de emoção, quanto, ficando o Manata redimido do tropeço anterior.

Mas, coisa pior sobreveio, em outra oportunidade, em outra empresa. Viajei para Washington, em companhia de conhecida figura mineira, recém-saída da presidência de entidade pública de destaque, e que, depois, ocupou posição congênere em Brasília, a quem contratei, como consultor, sob o peso de honorários de 10 mil dólares. A nossa missão estava restrita ao Banco Mundial, mediante reunião agendada com o Monsieur Rocha, alto funcionário daquela Instituição, cujo parecer liberatório demandado em processo de interesse da organização que eu representava, poderia alavancar financiamento de alto valor para empreendimento de notória monta e valia. O meu contratado tinha bons contatos na área técnica do Banco Mundial, em face de trabalhos por ele realizado no passado e mediante tratativas financeiras complexas, com o Banco. Logo, em face disto, a escolha me pareceu adequada. A reunião com o Monsieur Rocha foi demorada; ele começou falando em inglês, e depois em francês, alternando a locução nos dois idiomas. O meu contratado falava ambos, com desenvoltura, e eu não dominava nenhum dos dois. Ele, que se postava manso, falando devagar e orquestrando gestos estudados, entregou a Rocha documento de três ou quatro folhas, que imaginei tratar-se de arrazoado de sustentação da nossa demanda. Monsieur Rocha leu com atenção, me olhou nos olhos e sugeriu que a reunião prosseguisse em português. O Viajante, vou chamá-lo por este codinome, no sentido de poupá-lo de flagrante de deslize ético, caiu em desconforto, mas aquiesceu. Monsieur Rocha informou ao meu contratado e, em bom português, que o seu currículo de pedido de emprego estava em boas mãos, e que seria encaminhado ao setor competente, para avaliação. Paguei a viagem, o hotel, a alimentação e os extras, mais 10 mil dólares de remuneração, para o indivíduo pedir emprego ao Banco Mundial, sob os meus olhares incompetentes e os meus ouvidos moucos. Mas, não perdi a fé no ser humano, apenas aprendi a lidar com os canalhas e a usar conhecimento, informação e ferramentas sofisticadas, em desfavor deles. Com o aprendizado incorporei a arte do jogo, e este ficou equilibrado nas cartas que embaralhei, ou, baralhei, se preferir, ao longo dos anos, levando a lida inspirado na esgrima, onde a “guarda” é o ponto de partida da luta, porque ela é essencialmente defensiva. Depois, neste esporte, vem o “marchar” e o “romper”, movimentos básicos da esgrima, que levam ao “afundo” e à “estocada”, além de outras ações importantes, culminando com o glorioso “touché”. Uma reunião de negócios será sempre parecida com a esgrima, exceção feita ao blefe, que acarreta “risco de vida”. Contudo, também existem no cardápio uma e outra malandragens. Dentre elas, quando entro em uma reunião de negócios, procuro, sempre, distinguir a presença de um otário. Quando não a identifico, não tenho dúvida quanto à sua identidade, porque, o otário, no caso, sou eu; então, em respeito à plateia, me retiro de forma prudente e comedida, sob alguma alegação plausível e sem desconcerto.

Mas, o tempo ensina, custa caro, mas vale à pena, porque o que se perde aqui, se ganha acolá, mas, com acentuado poder de observação e de severa disciplina.

Roberto tinha por objetivo cativar a simpatia de importante CEO de empresa capaz de firmar com a sua, parceria de notável poder no tocante à abertura e conquista de oportunidades. Ocorre, que o tal CEO era uma figura díspar, porque não fumava, não bebia, não praticava esportes, levava vida recatada, em família, e se dedicava à escuta de música clássica e a ver filmes de décadas passadas, em preto e branco. Era fortaleza difícil der ser escalada. O jantar foi preparado para três comensais, estando eu presente. A conversa começou fria, com prolegômenos desimportantes, e claro distanciamento de prefácio entre anfitrião e convidado. Quanto a mim, adornando como valete a reunião, parecia encarnar personagem desimportante e descartável. Mas, o jogo estava sendo jogado, e o conhecimento e a informação tinham feito a sua parte. A informação havia descoberto que o referido CEO tinha atração exacerbada por decotes arrojados de vestido de mulher loira, tinha que ser loira, a criatura. Assim, contratei uma atriz paulista, em início de carreira e pouco conhecida, de formas anatômicas arredondadas e de olhos muito azuis, para trajar “look” bem ao gosto do convidado. A noite avançava, o CEO havia tomado apenas água de coco e comido dois camarões VG ( verdadeiro grande, como é dito na Bahia ), subtraídos do prato à provençal posto à mesa de centro, que ele violou sem lavar as mãos, quando a loira entrou na sala, de forma respeitosa e cautelar. Pediu licença, e sem tocar no anfitrião, se debruçou sobre o ombro do Roberto e desviando o olhar do convidado, disse-lhe algo para nós inaudível. Roberto agradeceu, ela recolheu, pela postura de novo ereta o decote posto à mostra em linha direta com o CEO, e deixou a sala, com elegância. O convidado se iluminou, abriu sorriso, ficou receptivo e esticou conversa assedada sobre o tema de interesse. O diálogo passou a fluir naturalmente, tendo a loira retornado mais duas vezes à sala, em missão parecida, mas tão discreta quanto a da sua primeira entrada enigmática. A noite adentrava a madrugada e o CEO, que aquiesceu em libar mais de uma garrafa de vinho Sangratino de Montefalco, italiano, da Umbria, com 15,5 graus de teor alcoólico e potente poder de dissuasão, se levantou rubro para sair, quando perguntou ao Roberto: “e a loira? Roberto? chame a moça aqui para eu me despedir !!!”.

Missão cumprida, Roberto sacou a sua gaita, que tocava em raros momentos e na presença de muito poucos amigos, enquanto eu me encarregava de libar a última garrafa, colocada à minha frente disponível e oferecida.

FETICHE É FETICHE E INFORMAÇÃO É PODER.


10 Comentários

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    Guilhobel Aurélio Camargo, maio 21, 2022 16:43 @ 16:43

    Mais uma de suas ótimas histórias. Parabéns Abrs Guilhobel)

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      caio brandao, maio 21, 2022 17:21 @ 17:21

      Guilhobel, você teve um dos sites mais combativos do país. Os seus comentários são, para mim, importante incentivo. Forte abraço.

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    Francelino Caetano Rocha, maio 21, 2022 16:56 @ 16:56

    Caio
    Suas Crônicas vão sendo esperadas e muito apreciadas.
    Mas desta vez tenho a ressaltar uma grande figura, o grande Laerte Rabello. Tive o prazer de conviver por várias vezes com esta inteligência e ótimo papo através de Manuel Bonfim, era um enorme prazer ir a Salvador e aproveitar destas duas figuras. Parabéns, vamos descobrindo mais amigos. Abraço

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    caio brandao, maio 21, 2022 17:17 @ 17:17

    Curioso. Nós nos conhecemos há mais de 50 anos, ambos fomos amigos do Laerte e nunca soubemos dessa amizade em comum. Somos, ambos, muito discretos. Forte abraço.

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    Daniel Portugal, maio 21, 2022 17:49 @ 17:49

    E a loira, ficou com a gaita, com o vinho ou com a informação?

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      caio brandao, maio 21, 2022 17:52 @ 17:52

      Nem com a gaita e sequer com a garrafa; ficou com o cachê, muito generoso, e se mandou. Em tempo, pediu uma graninha extra para o taxi: coisas da noite. Forte abraço.

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    Ricardo Saud, maio 22, 2022 09:59 @ 09:59

    Caio, vc precisa dar nome aos bois. Estes canalhas, ou outro nome qualquer , tem que serem expostos. Vai pedir emprego e ainda ganhar 10 mil dólares? Fala aí quem é???

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      caio brandao, maio 22, 2022 14:53 @ 14:53

      Olá, que bom recebê-lo aqui, neste espaço. Revelar o nome do indivíduo seria, realmente, muito bom. Contudo, estou vivenciando fase de energias positivas, razão pela qual vou deixar a página virada e transformar o ocorrido em crônica, apenas. O personagem ficou no passado de várias maneiras, inclusive profissionalmente. Forte abraço.

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    Paulo Raposo, maio 23, 2022 00:29 @ 00:29

    Caio Brandão, guardião de excelentes histórias, contadas por verdadeiras. Esperemos as próximas

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    caio brandao, maio 23, 2022 13:30 @ 13:30

    Olá, Paulo. A sua presença por aqui é muito gratificante, venha sempre. Vou continuar trazendo alguma experiência de vida mediante fatos curiosos e divertidos. A nossa geração tem muito para contar. Pena que os mais jovens não encontrem tempo para a leitura. Enfim, são novos tempos.

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