O Brasil conta com um dos maiores sistemas públicos de transplantes do planeta, com 88% dos procedimentos financiados pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Em números absolutos, o Brasil é o segundo maior transplantador do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos.

Os pacientes recebem assistência integral e gratuita, incluindo exames preparatórios, cirurgia, acompanhamento e medicamentos pós-transplante, pela rede pública de saúde.

O Sistema Nacional de Transplantes (SNT) integra as secretarias de Saúde de todos os estados e municípios, em uma estrutura coordenada para centralizar a notificação de doações e providenciar a logística adequada dos órgãos e tecidos.

Apesar disso, especialistas revelam que o Brasil enfrenta dificuldades diante de um elemento vital para o transplante: o doador.

“O transplante começa com doação. Sem doador não tem transplante. Se aumentar o número de doadores, o sistema comporta. Temos muitos centros transplantadores que poderiam ser mais utilizados do que são, por falta de doação”, explica Paulo Pêgo Fernandes, chefe da Divisão de Cirurgia Torácica do InCor (veja entrevista no vídeo acima).

De acordo com o especialista, um único doador pode salvar até dez vidas. A doação inclui córneas, rins, fígado, pulmões, coração, pâncreas, intestino, além de pele e ossos.

De acordo com uma pesquisa conduzida pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a recusa familiar é o principal motivo que impede a doação de órgãos no Brasil. Segundo a Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO), 43% das famílias recusaram a doação de órgãos de seus parentes após morte encefálica comprovada em 2021.

Segundo a legislação vigente no país, a família precisa autorizar a doação dos órgãos de um ente querido – uma decisão soberana.

“Teve um período que fizeram uma grande campanha de mídia, que todo mundo era doador até prova em contrário. Essa é a doação presumida. Em alguns países, isso funciona. Argentina e Espanha são assim. No Brasil, faltou um pouco de esclarecimento para a população. A população levou um susto, pensou ‘puxa, vão tirar meus órgãos e se eu não quiser?’”, diz Fernandes.

Importância de se falar sobre o assunto com a família

O médico destaca a importância da manifestação das pessoas junto aos familiares pelo desejo ou não pela doação de órgãos.

Os especialistas explicam que a recusa dos parentes na doação de órgãos tem como base a falta de conhecimento sobre o que é a morte encefálica, além de fatores religiosos ou o entendimento que o familiar possa se recuperar.

Há 25 anos na Organização de Procura de Órgãos (OPO) do Hospital das Clínicas, o enfermeiro Edvaldo Legal de Moraes conversa com as famílias com o objetivo de esclarecer de maneira didática o que é a morte encefálica e a importância da doação.

“O meu papel não é convencer, mas é possibilitar a tomada de decisão da família. Entender o que a família pensa sobre a questão da doação e sobre o que a pessoa pensava em vida sobre a doação. Uma das técnicas que a gente aprende no curso de comunicação é fazer o reflexo das emoções”, conta.

O enfermeiro explica que, diante da notícia da morte de um ente querido, observa a forma como a família recebe e processa as informações. “A ideia de ser treinado nesse cenário é para a gente conduzir a família para algo que ela se sinta confortável e confiante dentro de um cenário tenso que é receber a notícia da morte de um ente querido”, explica Moraes.

“Eu acho que é a coisa mais difícil do mundo conversar sobre isso. Porque ninguém imagina que um dia vai acontecer. Mas as pessoas têm que conversar, porque todo mundo está sujeito, todos nós estamos sujeitos”, diz Luiz Melges, neurologista e chefe do serviço da Neurologia da Faculdade de Medicina de Marília.

Em sua trajetória profissional, Melges enfrentou diferentes casos de morte encefálica de pacientes. Na vida pessoal, perdeu um filho, vítima de um acidente automobilístico, e precisou autorizar a doação de órgãos.

“É importante, todo mundo tem que conversar. O Luiz Fernando tinha esse lado de ser muito próximo das pessoas, um lado diferente dele, espiritual, de sempre dar, de não se apegar às coisas materiais. Então, isso foi mais do que suficiente para a gente ter tomado a decisão. A gente sabia que isso estava dentro do perfil de vida dele”, completa o médico.

Valéria Samadello Melges, mãe de Luiz Fernando, reforça: “Foi o que deixou mais fácil essa doação, esse ato de amor, essa generosidade, que era dele. Essa possibilidade da doação foi para nós um presente, de deixar continuar em outras vidas, que os órgãos dele fossem entregues”, diz.

Transplante entre doadores vivos

O episódio também irá mostrar detalhes de transplantes realizados entre pessoas vivas. A doação é possível desde que sejam órgãos duplos e que haja possibilidade do doador ter uma vida com saúde normal após o transplante. Um dos rins ou pulmões, parte do fígado, do pâncreas e da medula óssea são exemplos de órgãos que podem ser doados ainda em vida.

Pessoas em boas condições de saúde, capazes juridicamente e que concordam com a doação podem ser consideradas aptas a doar em vida. Por lei, pais, irmãos, filhos, avós, tios e primos podem ser doadores. A doação por pessoas que não são parentes pode acontecer somente com autorização judicial.

Os órgãos e tecidos que podem ser obtidos de um doador vivo são rim (doa-se um dos rins e tanto o doador quanto o transplantado podem levar uma vida perfeitamente normal), medula óssea, fígado ou pulmão.

Da cidade de Socorro, no interior de São Paulo, a equipe da CNN mostra a história do funcionário público João Batista Preto de Godoy, que precisa de um transplante após um câncer no fígado.

“O câncer é só você. O transplante mexe porque eu tive que colocar uma pessoa junto comigo. Alguém vai ter que entrar numa sala de cirurgia, fazer um corte, tirar uma parte do corpo e doar para mim”, diz João. O desfecho dessa história pode ser conferido no episódio desta semana.

“Doar é renascer. Quando dou aula, falo que não tem nada mais gratificante do que você colocar um fígado que está sem sangue, sem circulação e abrir as pinças e ver o renascimento do fígado, a recirculação do sangue. Isso é vida, um renascer para aquela pessoa”, conta Luiz Augusto Carneiro D’Albuquerque, diretor e professor da Divisão de Transplantes de Fígado e Órgãos do Aparelho Digestivo do Hospital das Clínicas de São Paulo.

 


Paola Tito